Quando a dramaturga Andréa Bassit escreveu o texto da peça teatral "Alma Despejada", em 2015, ela já tinha em mente a atriz ideal para interpretar a personagem Teresa, uma mulher que, depois de morta, visita pela última vez a casa onde morou, uma vez que o imóvel foi vendido, e sua alma, despejada.
 
A intérprete almejada pela autora era ninguém menos do que Irene Ravache, que, vale dizer, também se apaixonou pelo narrativa. E veio a encenação, com direção do bamba Elias Andreato. "É um texto difícil de encontrar na dramaturgia, ele é delicado e, ao mesmo tempo, inteligente. Fala do nosso momento politico, fala do social, mas não perde a poesia. Ao contrário,  é extremamente poético", situa Irene Ravache ao Magazine.
 
A atriz, que estava com a peça em cartaz quando a pandemia tomou de assalto o mundo, teve que interromper a temporada, os planos de viajar pelo país e, como todo mundo (bem, ao menos os mais sensatos), se recolher em quarentena. 
 
Em julho, ela arriscou-se à primeira experiência virtual, encenando a peça. Nesta sexta, repete o feito já bem mais familiarizada com este universo. "Na primeira vez, eu estava muito apreensiva, porque não é uma linguagem que domino, à qual estou acostumada. Virtualmente, muitas coisas podem acontecer no meio do caminho, no que diz respeito mesmo ao modus operandi. Mas eu embarquei, imaginei que estava ali, vivendo esse texto para as pessoas que estavam isoladas em suas casas, e isso me motivou de uma outra forma, veio um outro tipo de emoção. Diferente da do teatro, mas nem por isso menos verdadeira". Sendo assim, quem quiser conferir mais uma bela performance da aclamada atriz pode sintonizar  às 20 horas, que ela estará diretamente de sua casa.
 
A apresentação integra a programação online do Instituto Usiminas, dentro da série Espetáculo de Teatro, que já recebeu Denise Fraga com "Galileu e Eu - A Arte da Dúvida". 
 
Irene conta que, na fase presencial, sempre recebia os espectadores ao fim do espetáculo. "E era muito bonito ver pessoas extremamente emocionadas, contando como o texto as havia tocado com emoção, de como se identificavam. A verdade é que nós estávamos no melhor momento da trajetória do espetáculo. O teatro é uma coisa que vive do boca a boca. A nossa melhor propoganda sempre foi essa: você gosta de uma peça, comenta com uma pessoa, recomenda... É assim que vive o teatro, e não foi diferente com esse espetáculo. E tinha uma coisa interessante, a gente nem estava há tanto tempo assim em cartaz e já ouvia relatos de pessoas que estavam vindo assistir pela segunda vez. Isso é uma prova do quanto o texto tocava o coração do público, e ainda toca", diz ela.
 
Sobre a história, ela que Teresa, mesmo depois de morta,  vai muito à casa em que viveu. "Porque, afinal de contas, é o lugar no qual passou grande parte da vida dela, onde tem recordações. Ela a vê como o cenário de uma vida, e, na verdade, é isso mesmo, a nossa casa é o cenário da nossa vida. Como o lugar foi vendido, ela é uma alma despejada. Mas, veja, ela não diz isso de forma pesada, e sim de forma de quem viveu bem. Só que ela diz minha alma tem que ir embora mesmo, não tem razão para continuar por aqui, porque vai ter novos donos, uma nova configuração. A casa vai ter outra pegada. E a peça é sobre isso". 
 
A atriz se esquiva de pormenorizar mais "pois tira um pouco o sabor". Desafiada a citar em que contexto o texto abordaria questões sociais inerentes ao país, ela diz achar difícil, nos tempos atuais, ter um texto contemporâneo que não toque nos problemas do Brasil. "Por exemplo, se não falar de corrupção, não está falando do Brasil", pontua.
 
A questão socioeconômica, porém, emerge espontaneamente quando ela é provocada a falar da sua experiência com o isolamento social. "Não estou me dedicando a algum outro projeto profissional específico, inclusive, porque faço parte do grupo de risco. Mas o que nos estamos nos dedicando, eu e alguns dos meus colegas, é, na medida em que podemos, ajudar aos profissionais que são da classe artística. Essa continua sendo uma grande preocupação, a situação dos nossos colegas que ficaram desempregados, mas numa outra escala, mais complicada, porque são técnicos", avalia Irene que atualmente pode ser vista na reprise da novela "Sassaricando", no Viva. 
 
Ela ainda lembra que a maioria dos artista, de alguma forma, está conseguindo fazer alguma coisa neste período, se movimentar, percorrer caminhos antes desconhecidos. "Mas para os técnicos ficou bastante difícil, complicado. A nossa primeira iniciativa foi nos debruçar (sobre o assunto) e pensar o que podíamos efetivamente fazer. E aí as coisas começaram a aparecer, é aquilo, ao menos distribuir cestas básicas, na medida em que a necessidade se apresentava. Ocorre que achávamos que essa pandemia seria resolvida de uma forma mais rápida. Não sabíamos quanto tempo ia durar, e, para a nossa surpresa, constata-se que isso (o novo coronavírus) veio para ficar. Ninguém sabe quanto tempo ainda viveremos assim. A vida demandou uma nova pegada, um novo jeito de a gente tentar se arrumar, e é o que a gente continua fazendo, de uma forma que consiga atender o maior número de colegas".
 
Sem disfarçar um certo desalento, Irene Ravache salienta não censurar quem está saindo por conta própria, "porque às vezes saem porque não lhes resta alternativa, então, é o que têm a fazer". "Lembro que logo no início (da flexibilização em São Paulo), quando as pessoas começaram a sair, apareciam imagens da rua 25 de março lotada. Mas muita gente vive de revender (mercadorias), então, têm as compras como necessidade. É assim que sustentam suas famílias, não têm outra forma! Fica difícil, portanto, censurar. Também entendo que há pessoas precisam exercitar o prazer, mas é preciso avaliar se, com isso, não estão colocando os outros em risco. Enfim, como somos muito tupiniquins, nós não tivemos um apogeu de civilização, há muita coisa para ser feita".
 
Irene se refere a mazelas crônicas. "Veja, moramos num país no qual um contingente enorme não conta com saneamento básico! Onde entra sigla política, é substituída por outra, e a conversa é muito igual. De uma forma que qualquer um de nós é capaz de dizer de cor as promessas que serão feitas no período de campanha, e a gente também sabe de cor o que não foi cumprido, e assim na outra (eleição), e na outra... Algumas pessoas alegam: 'Ah,  mas o Brasil é um país é continental'. Mas há  algumas questões que são relativamente fáceis de serem resolvidas. Na minha opinião, a própria questão das crianças, do abandono, da fome, da miséria. Porque é imoral o fato de essa questão ainda não ter sido resolvida. Imoral, não tem outro nome. A criança, para você atender, não precisa fazer uma estrada interestadual. Quem atende a criança é outro ser humano, então, é feijão com arroz, não é máquina, matas, minérios... Criança precisa de outro ser humano. Constatar que essa questão ainda não foi resolvida, ver como a criança é, em sua grade maioria, tratada de forma miserável... Isso é um escândalo! Como é que pode? O mais fraco é sempre o mais penalizado, o que acaba pagando a conta. Acho indecente, imoral".
 

Alma Despejada

Com Irene Ravache

Sexta, 18, 20h.

Classificação: 14 anos. Duração: 80 minutos.

Gênero: comédia dramática.

Grátis. 

Assista online: 

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