Destaque no mercado

Jovens adultos despontam como a salvação da lavoura

Editoras conseguem lucros com livros sobre descobertas para público entre 20 e 30 anos

Por Rafael Rocha
Publicado em 15 de outubro de 2021 | 00:02
 
 
 
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No já combalido mercado editorial brasileiro, nem todos estão amargando perdas. No âmbito geral, a pandemia foi apenas mais uma martelada: derrubou a tiragem em 2020 para 314 milhões de exemplares – 20,5% a menos que o ano anterior. O faturamento foi de R$ 5,17 bilhões, queda de 8,78%. Na contramão desse fluxo nebuloso, um setor apresenta excitação: o segmento chamado “jovens adultos”.

Esse foi um dos quatro departamentos do mercado editorial, num total de 27, que tiveram elevação no ano passado – passou de 0,96% para 1,17% de participação. Os dados são da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, realizada pela Nielsen Book, com coordenação da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).

Copiado do mercado norte-americano, o segmento jovem adulto surgiu após o fenômeno da saga de “Harry Potter”, seguido por “Crepúsculo”. A partir disso, as editoras viram que havia ali um público cansado das historinhas melosas e água com açúcar de antes. 

Os leitores cresceram e estavam sedentos por histórias com conflitos morais, sociais, sexuais e emocionais. Buscavam personagens com mais vigor e na faixa entre 20 e 30 e poucos anos. “É uma literatura para quem está passando por grandes transformações, se descobrindo na vida, se questionando quem você é. São livros que tendem a falar de amadurecimento”, explica Rafaella Machado, editora executiva do selo Galera, da editora Record.

A aprovação do público leitor se traduziu em estouro de vendas. Enquanto outros setores desse mercado emagrecem, os jovens adultos crescem com fartura. Tanto que as principais editoras criaram selos específicos somente para essa categoria. A Galera, uma das primeiras a captar esse movimento, já corresponde a 38% do faturamento de todo o Grupo Record. 

O salto é ainda maior em alguns subnichos, como o de fantasia, que teve crescimento de 60% no consumo brasileiro, enquanto na editora de Rafaella a elevação foi três vezes maior. “O jovem ficou sem contato social e encontrou nos livros as viagens que não podem fazer, as experiências suspensas”, avalia. Distopias, thrillers e histórias sobrenaturais completam a lista dos temas que fazem os editores e leitores jovens salivarem.

Esse êxtase editorial tem resultado em performances históricas. Lançado há apenas dois meses pelo selo Galera, “Garotos do Cemitério”, do norte-americano Aiden Thomas, é o primeiro livro de autor transexual a entrar na lista dos mais vendidos da revista “Veja”. O sucesso está impulsionando a editora a buscar mais textos de pessoas trans para serem publicados, desta vez de autores nacionais. 

Outro marco aconteceu em 2019, quando “O Amor Não É Óbvio”, da baiana Elayne Baeta, tornou-se um best-seller lésbico no país. Os 25 mil exemplares vendidos cacifaram a escritora, também publicada pela Galera, que lança agora “Oxe, Baby”. A compilação de poemas já vendeu mais de 6.000 títulos somente na pré-venda. “Ela é um fenômeno justamente por escrever para meninas que gostam de meninas”, celebra a editora.

Morador de Ouro Preto, Koda Gabriel é um jovem transexual que vivencia essa aparente abertura para temas da diversidade. Aos 24 anos, ele tem publicado livros digitais de forma independente na plataforma da Amazon, mas sabe que o caminho ainda é árduo. “Antes mesmo de termos a oportunidade no mercado, é preciso que possamos existir enquanto nós mesmos”, desabafa. Como a família não sabe que ele é uma pessoa trans – Koda é seu nome social –, Gabriel ainda se sente desconfortável diante da ideia de ser publicado em alguma editora de maior visibilidade.

 

Histórias levam personagens da margem para o centro

No Grupo Autêntica, o selo que engloba o segmento, chamado Gutenberg, já cresceu incríveis 51% neste ano. Flávia Lago, editora da casa, detalha que a literatura desse público aborda temas considerados superados pelos adultos. “Como questões LGBTI+, racismo e saúde mental. Personagens que ficavam à margem são trazidos para o centro”, diz. 

A cartada atual é o lançamento do livro “O dom da fúria”, de autoria de Mark Oshiro, um norte-americano de origem latina. A obra aborda um contexto de violência policial contra a juventude negra dentro do ambiente escolar.”São temas que as escolas às vezes não dão conta de trabalhar”, atesta Flávia. Publicar uma escritora indígena de Rondônia e uma seleção de contos afro-futuristas são os planos da Gutenberg para 2022.

As editoras contam com as interações imediatas do público leitor, que gasta horas comentando sobre os livros nas redes sociais - o Tik Tok é a mais ativa delas. Isso permite aos editores calibrarem com mais exatidão o interesse dos clientes. Para Rafaella, o nicho revela uma demanda reprimida. “Durante muitos anos o país nem olhou para esse tipo de obra”, diz. 

Ela defende que a juventude está ávida por conteúdo desse tipo. “Estamos tentando correr atrás dessa defasagem”, continua. A publicação do livro “O ódio que você semeia”, em 2017, foi parte dessa corrida. Inspirada no movimento Vidas Negras Importam (em inglês Black Lives Matter), a obra da norte-americana Angie Thomas foi primeiro lugar na lista do “New York Times”. 

Nessa sintonia fina, a editora está em fase de lançamento de “O primeiro beijo de Romeu”, de Felipe Cabral. A obra é inspirada na censura de um livro com beijo gay na capa feita em 2019 pelo ex-prefeito do Rio, Marcelo Crivella, durante a Bienal do Livro daquela cidade. “A geração atual está muito pronta para a diversidade. Temos muita esperança no futuro”, confia a editora.

 

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