Lançamento

Jovino Machado completa quatro décadas de poesia com novo livro

“A Trilogia do Álcool e Outros Poemas é uma somatória de textos que são apresentados como poemas biográficos, com direito a algumas homenagens

Por Patrícia Cassese
Publicado em 06 de abril de 2021 | 03:00
 
 
 
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Foi na década de 1980 que o escritor Jovino Machado lançou seus três primeiros livros - mimeografados e xerocados, como ele mesmo ressalva. "Era a época da Geração Mimeógrafo ou Geração marginal", explica, frisando, porém, não nutrir grandes saudades daquela lavra. "É uma parte da minha obra que, na verdade, até renego. São poemas cópia da cópia da cópia, imitações toscas de textos de amigos", diz ele, passadas quatro décadas daquele, digamos, marco inicial de seu atar de mãos com a escrita.

O mineiro (nascido em Formiga, mas criado em Montes Claros) conta que as coisas só começaram a mudar em sua mente quando se aventurou a ler a obra de Fernando Pessoa. "Aí, disse para mim mesmo: 'Isso é que é poesia, Jovino Machado! Não essa porcaria que você está (estava) fazendo'", confessa ele, todo sincero.

Guinada dada, e hoje, passadas quatro décadas, já com muitos livros lançados, o poeta apresenta agora “A Trilogia do Álcool e Outros Poemas” (Editora Leme/Impressões de Minas, 120 páginas), somatória de textos apresentados como "poemas biográficos", com direito a algumas homenagens.

Vigésimo título da sua trajetória, e marco dos 40 anos de poesia, a obra é dividida em sete partes: 'Strip-tease', 'Dublinescas, O retrato do artista quando bêbado', 'Minhas mágoas se alimentam de cerveja', 'A Verdade está no vinho', 'O Resto das sobras', 'Naya e as Sete noites de mil compassos' e 'Elegia para Circe'.

“A Trilogia do Álcool e Outros Poemas”  sucede "Sobras Completas", reunião em um só volume de toda sua obra, em edição de luxo, com capa dura. Nada menos que 170 poemas e 400 páginas. Mas, entre um e outro, passaram-se cinco anos. O hiato é por ele explicado: "Fui acometido de uma 'ressaca literária'. Me vi sem saber o que fazer e com um medo danado de não conseguir virar a página, de não conseguir dar o pulo do gato e continuar me repetindo".

A certeza de que isso não aconteceria foi se dando em etapas. Ainda na esteira dos  lançamentos de "Sobras Completas", ele conta ter conhecido "uma linda poeta". "Ficamos amigos imediatamente. E depois de cada saída, eu já chegava em casa com um poema pronto na cabeça". Assim surgiu a primeira parte do livro, que se chama Strip-Tease. "Depois, mergulhei na obra e na biografia de James Joyce e surgiram os poemas biográficos com o título 'O retrato do artista quando bêbado'", prossegue. 

A terceira parte é, como ele pontua, bem autobiográfica, e traz poemas inspirados no teatro e na obra do fotógrafo Sebastião Salgado e de F. Scott Fitzgerald. "E também nas minhas bebedeiras. Essa quarta parte se chama 'Minhas mágoas se alimentam de cerveja'", situa. Já "A Verdade está no vinho" foi baseada em uma viagem à Europa, na qual passou por cidades como Paris, Madri, Toledo, Burgos, Chartre e Londres. Nelas, se extasiou ao ver in loco obras de alguns de seus pintores favoritos.

Na quinta parte, o "Resto das sobras", estão poemas que Jovino diz terem ficado perdidos no meio do caminho, mas que de alguma forma dialogavam com o livro. "Naya e as 7 noites de mil compassos" é um poema inspirado na peça "VINTE", apresentada pelos alunos de teatro do Palácio das Artes, dirigida por Marcio Abreu.  "Ele é maravilhoso. Eu vi a peça sete vezes e fiz o texto baseado na personagem da atriz Nayara Salles", especifica.

Na parte final, tem "Elegia para Circe", baseada nos mitos gregos. "A última parte tem o belíssimo posfácio do Rafael Fava Belúzio, que é a cereja do bolo"

Em tempo: como dito, Jovino nasceu em Formiga, mas foi em Montes Claros que ele localiza  o grosso da lapidação . "Aprendi muito no teatro, no jornalismo e na vasta cultura do norte de Minas". Na década de 1990, já morando em Belo horizonte e cursando Letras na UFMG, lançou "Trint'anos Proust'anos", "quando efetivamente senti que estava encontrando a própria voz". Daí, e antes de "Sobras Completas",  vieram "Disco" (1998) e "Samba" (1999). De 2002 a 2009,  lançou "Balacobaco", "Fratura Exposta", "Meu Bar meu Lar", "Cor de Cadáver" e "Amar é Abanar o Rabo". 

Confira, a seguir, outros trechos da entrevista

Vou te pedir que escolha, livremente, uns quatro poemas (do livro como um todo) para falar sobre a gênese deles, o que aconteceu por trás do processo de escrita, talvez um pormenor interessante, inusitado, sentimental...  Vamos lá. Na página 15, tem "Trampulinho". A ideia de unir trampolim com pulinho foi uma epifania joyceana dentro de minha obra, e, no final, a musa salta para o abismo ou para a glória. Só o futuro vai dizer.

"Naya & as 7 Noites de Mil Compassos" ( página 87 ) nasceu do meu absoluto amor pelo teatro. Como disse, vi sete vezes a peça "Vinte", e isso diz muito do que o meu coração pensa das artes cênicas e como um espectador sensível percebe que a beleza nunca é repetitiva. Cada dia eu procurava um lugar diferente na plateia e, no final, eu sempre chorava quando os atores cantavam "Para ver as meninas", do Paulinho da Viola. Diante de tamanha emoção, eu gritava "Bravo!!!".

"Suicídio aos 60" (página 69) é uma homenagem aos meus amigos poetas mortos. Em 2020, perdi o Marcelo Dolabela, o Roberto Soares e o Adriano Menezes. A vida é dura e dolorosa.

"Luxúria Nua" ( página 84 ) é uma revisita ás delícias do idílio amoroso e foi feito vendo a musa fumar um cigarro e brindar com o Baco engarrafado, no 14º andar de um hotel em São Paulo.

Na sua opinião, que papel a poesia tem no mundo atual - digo, num mundo dominado pela vaidade, pelo exibicionismo, pela negação à ciência, por um certo desdém à arte (ao menos por um contingente não tão desprezível assim, de pessoas), pelo capitalismo cada vez mais selvagem.... Nenhum. Não existe nada mais fora de moda do que a poesia, que continua sendo o patinho feio das artes. A poesia é um inutencílio, como disse Manoel de Barros.

Como a pandemia está afetando a sua criação poética? Segue produzindo? Passado mais de um ano, que sentimentos te afligem? No início foi mais difícil. Fiquei apavorado com tantas mortes e a obrigação de ficar longe de tantas pessoas que amo. Isso atrapalhou a minha criação e o ritmo das leituras. No final de 2020, escrevi o "Diário da Orgia", com 31 poemas divididos em três partes que são as três décadas de minha iniciação/educação sentimental. É um livro de memórias que começa no dia em que o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1970 e termina no final do século XX com um poema de amor. Nos anos 1980 e 1990, têm uns textos eróticos e pornográficos. Uma auto-ficção livremente inspirada na minha vida boêmia e também vampirizada da vida de vários amigos.

A poesia dos outros têm sido companhia nestes meses? O que tem lido? E ao que tem assistido? Compartilhe uma boa descoberta... Na verdade leio pouca poesia. Gosto muito de romances. Acho mais fácil achar um bom prosador do que um bom poeta, mas não sei o que seria de mim sem a literatura. Durante a pandemia descobri ótimas obras de autores incríveis. São eles: "A Vida invisível de Eurídice Gusmão", de Martha Batalha; "A Uruguaia", de Pedro Mairal; "Dedo Duro", João Antônio; "A Autobiografia", do Woody Allen; "O vento que arrasa", de Selva Almada; "Torto Arado", do Itamar Vieira  Junior, "Tudo pode ser roubado", de Giovana Madalosso; "Bonsai", Alejandro Zambra; "À margem da linha", de Paulo Rodrigues.

Li também todos os livros da Juliana Frank, que ela me mandou por e-mail e descobri um autor gaúcho sensacional. O nome dele é Zeca Sixx. Ele escreveu dois livros incríveis, eu adorei. São eles "A década de ouro do pornô" e "Tudo que poderíamos ter sido".

Qual será o saldo disso tudo, na sua opinião? O que de bom poderemos extrair? O saldo serão as milhões de mortes e um imenso luto que ficará para sempre quando o mundo se lembrar dessa tragédia. Na minha bêbada e imodesta opinião, acho que ainda é muito cedo para saber o que poderemos extrair de bom e o legado ruim é pensar nesse tempo que ficamos longe dos amigos e dos amores. É pensar que esse tempo nos foi roubado e jogado no lixo. E nunca vamos recuperar o tempo perdido.

"A Trilogia do Alcool e outros poemas"

 Impressões de Minas – Selo Leme (1º edição) 

120 páginas, R$ 40

Venda pelo site da editora: www.impressoesdeminas.com.br 

 

 

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