O poeta, ensaísta, tradutor, crítico de arte e teatrólogo Ferreira Gullar, morto neste domingo (4), aos 86 anos, deixa como legado vanguardismo e contribuições para o desenvolvimento da literatura. No início de sua carreira, lançou o pós-modernismo no Maranhão. Posteriormente, no fim dos anos 1950, ficou marcado como um dos expoentes da poesia concreta. Poucos anos depois, rompeu com o concretismo para fundar o neoconcretismo. Na década de 1960, afastou novamente de um corrente criada por ele mesmo e envolveu-se com a produção engajada e ligada aos Centros Populares de Cultura.
Nesse período, militou pelo Partido Comunista Brasileiro, o que o levou a ser exilado pela ditadura. O poeta foi para a Argentina e lá escreveu seu poema mais emblemático, um dos ícones da resistência ao regime militar e também considerado uma das obras-primas da língua portuguesa: "Poema Sujo" (leia um trecho no fim do texto). Os versos chegaram ao Brasil pelas mãos de Vinicius de Moraes. Em uma visita a Gullar em Buenos Aires, o compositor e também poeta portava um um gravador e nele registrou Gullar recitando seus versos. No Brasil, com Gullar exilado, Vinicius tornou-se um divulgador de "Poema Sujo", realizando audições da fita-cassete em sua casa. Em 1976, os versos foram publicados em livro que levou o mesmo nome do poema.
O engajamento de "Poema Sujo" divide com um sucesso radiofônico o status de versos mais populares de Gullar. É também do maranhense os versos de "Borbulhas de Amor", sucesso do cantor Fagner nos anos 1990. Também um tradutor, o poeta maranhense traduziu para o português a canção "Burbujas de amor", do dominicano Juan Luis Guerra, a convite do próprio Fagner, que declarou ter poemas de Gullar para musicar.
A Editora Autêntica, responsável pela publicação das obras de Gullar, prepara para 2017 o lançamento de uma coletânea de textos do poeta sobre artes plásticas e também a reedição do livro infantil "Doutor Urubu e outras fábulas".
Poema Sujo (trecho)
Ferreira Gullar
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
Ouça Ferreira Gullar recitando um trecho de "Poema Sujo"
Veja Ferreira Gullar falando sobre a tradução de "Borbulhas de Amor"
Relembre "Borbulhas de Amor"
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