Música

Lenine, 'cronista' da música popular brasileira, redescobre o palco em BH

Depois de um longo período sem se apresentar presencialmente, por causa da pandemia, Lenine faz show nesta sexta (15) em Belo Horizonte e fala de seus projetos

Por Lucas Negrisoli
Publicado em 14 de outubro de 2021 | 14:20
 
 
 
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No palco, tudo brilha diferente no olho da pessoa. Nesta sexta-feira (15), o compositor, instrumentista e cantor Lenine traz a Belo Horizonte a fagulha de um momento novo, de redescoberta da própria música, no Cine Theatro Brasil Vallourec. Junto ao filho, Bruno Giorgi, que é produtor dos discos do pai há mais de uma década, o pernambucano apresenta “praticamente pela primeira vez” o “grande laboratório” que serão os próximos shows Brasil afora. 

A O TEMPO, Lenine conta que a ideia é fazer com que paisagens sonoras surjam, criadas por meio de produção ao vivo, e se multipliquem a partir da voz e violão. Com isso, o músico, que chegou aos 62 anos em 2021, quer revisitar o farto repertório que angariou como compositor durante os mais de 40 anos na estrada sem se repetir. 

Apesar de estar “ansioso” para voltar a protagonizar espetáculos, Lenine, que ficou “soturno, cinza” durante a pandemia da Covid-19, quase sempre longe das transmissões ao vivo e, em especial, do palco, compreende o retorno com os pés no chão. “Não estamos voltando a alguma coisa. Estamos nos adaptando a uma nova geografia, um novo momento do planeta”, comenta. 

O vasto catálogo de músicas assinadas pelo compositor vai além do que ele, como performance, apresenta. Estima-se que quase 500 canções – desde repertório próprio até trilhas sonoras e faixas feitas para outros artistas – tenham seu carimbo. Questionado, o músico não confirma o número, mas diz que pelo menos 300 chegou a fazer. 

A canção é o lápis e papel de Lenine, que, acima de tudo, se considera um cronista – que escreve com os olhos virados para a frente, costurados em uma obsessão contínua de não repetir as mesmas linhas. 

Confira a entrevista

Quais são as expectativas para o show em Belo Horizonte? 

Está sendo um retorno. Não fiz muitas lives, fiz algumas poucas. Compreendi, no início da pandemia, que a live não ia suprir a necessidade do trabalho que fazemos. Seria apenas um alívio, com o perdão da poesia.

E não me dava esse alívio, na medida em que eu deixava de ter o que era mais importante nos shows que fazíamos pela estrada: o contato físico, a troca. 

Na verdade, o melhor da coisa toda, de trabalhar com música, é justamente essa aglomeração que se dava na hora. Isso não voltou ainda. É um primeiro momento de redescoberta disso.

Estou cheio de expectativas maravilhosas. Por ter essa importância para mim de ser uma redescoberta, um retorno, estou ansioso para que isso comece o quanto antes. 

O que é essa redescoberta do palco?

Contávamos com uma troca de umidade. Tinha a ver com esse tipo de celebração. Cantar junto, se emocionar junto, dançar junto. De alguma maneira, se confundia o espetáculo, o show, com uma espécie de terapia de cada um. Isso não vai retornar.

É nesse sentido que é um recomeço. Não estamos voltando a alguma coisa. Estamos nos adaptando a uma nova geografia, um novo momento do planeta. 

Como foi a sua produção durante a pandemia de Covid-19? 

A pandemia me deixou um pouco soturno, muito cinza. E, durante muito tempo, eu fiquei enclausurado. Sistematicamente enclausurado, como em uma espécie de bunker.

E se tratando da profissão que eu tenho, que está ligada ao meu desejo e prazer, e já que esse prazer não estava existindo por causa da conjugação da pandemia com o pandemônio que é este governo atual, me deixou cinza.

Com menos desejo de criar. Fiz poucas coisas. Agora, quando a pandemia fez um ano, voltei a fazer as pazes com o meu instrumento, com a composição. 

Estava brigado com o violão? 

Eu tenho uma relação cíclica com ele. Não sou um cara virtuoso no instrumento, sou um fazedor de canções. Construo a partir do meu fascínio com a palavra e com a música. Isso tem a ver com crônica. O que me cerca me faz compor e criar. Nesse caso, da pandemia e do pandemônio, eu não me permito. 

Há uma lenda sobre Lenine, de que escreveu mais de 500 canções, desde trilhas sonoras até coisas próprias, para outros artistas. Você é um compositor que já fez um pouco de tudo. Você citou a crônica, a composição em relação ao ambiente. Queria saber como você entende esse processo e o que te leva para cada caminho. 

Fala muito do meu processo de criação. O quanto, desde cedo, o objetivo não era chegar, mas achar um caminho. É fácil, em qualquer profissão, sentir um quê de repetição. Você vai descobrindo maneiras de não se repetir. Lógico que não é uma regra, mas eu sou assim. Perco o intense pelo que já percorri.  

Desde cedo foi estimular um caminho que nunca fui. Isso pontuou não só as composições, mas os discos que fiz. Só me tornei intérprete de parte do trabalho que produzo. Creio que 50% do que fiz como música foram para outros músicos, não para mim, como intérprete, cantá-las. Tudo isso tem a ver com esse caminho. 

Como saber o que é uma canção sua e uma para outra pessoa, outro contexto? 

O filtro do intérprete é um. O do compositor é outro. Quando me proponho a fazer uma música para a Elba (Ramalho), por exemplo, eu tenho que ter noção de quem era a Elba e descobrir, dentro do universo do que ela já gravou, algum tipo de novidade nas palavras e na música, mas que soariam verdadeiras. Tem uma pesquisa nisso aí.  

E isso muda com o foco. Eu me exercitei em não ter muito preconceito de ousar transitar em qualquer seara musical. Isso me dirigiu ao longo dos anos. Estar em certo incômodo é benéfico. Isso definiu meus discos, minha carreira, minha trajetória. 

Historicamente, seus discos trabalham conceitos distintos. Quando “Chão” foi lançado, há dez anos, havia alguma ligação com música concreta, de sons da natureza, brincar com compasso etc. O que te move, hoje, em música? O que vem te intrigando nos últimos anos? 

Apostar no improvável. Eu faço isso sistematicamente. Estou com 62 anos, eu já vi as mudanças não só de paradigmas, mas de formato e plataforma de se propagar música. Vi o videocassete, o videolaser, tantas coisas. 

O que continua sendo fundamental? Ser uma pessoa que continua fazendo suas crônicas, porque a necessidade de as fazer é maior do que você. Se meu papel e lápis são as canções, é isso que farei. Reverbero o que me comove, o que me incomoda. É por isso que continuo fazendo música. 

Agora, estou mergulhado em um projeto novo. Tenho uma grande sorte de ter tido três filhos que são grandes estímulos para mim. Ter João como uma referência, Bruno produzindo tudo o que faço, Bernardo envolvido na música urbana. Eles fazem com que eu vá além. 

O que é esse projeto novo? 

Na verdade, é uma grande síntese. É um grande laboratório, que vamos apresentar praticamente pela primeira vez em Belo Horizonte. Eu e o Bruno, que também é meu produtor. Resolvemos fazer uma síntese. Eu e ele tocando, processando e produzindo ao vivo o show.  

O show tem muito desse tipo de coisa, ao vivo, “live” mesmo. Tudo é feito ao vivo, as reproduções, os “dubs”, as massas sonoras são feitas na hora. Isso é uma possibilidade de eu me debruçar em um repertório que fiz durante anos e fazer algo diferente. 

Programe-se 

“Lenine: Voz, Violão e Produção” em “Mostra Cine Brasil Teatro e Música” 

Data e horário: 15 de outubro, sexta-feira, às 21h 

Local: Cine Theatro Brasil Vallourec (Rua dos Carijós, 258, centro) 

Bilheteria:

Presencial
- R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada) 

Transmissão online: link de acesso será enviado por e-mail após aquisição do ingresso  

Virtual - R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada) 

Vendas: pelo site www.cinetheatrobrasil.com.br 

Bilheteria do Cine Theatro: Av. Amazonas, 315, centro, BH 

Informações: (31) 3201-5211 / www.cinetheatrobrasil.com.br

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