Esmiuçar uma história íntima e afetiva do hábito da leitura em uma cidade - no caso, a capital mineira -, entrelaçada aos vários equipamentos culturais nela disponíveis para essa atividade. Esse foi o objetivo de "História Afetiva de Leitores e Bibliotecas em Belo Horizonte", livro resultante de um projeto idealizado e desenvolvido pelas pesquisadoras (na área da leitura) Cleide Fernandes, Fabíola Farias e Maria da Conceição Carvalho.

Lançada em dezembro passado, em referência ao aniversário da cidade, a obra reúne 42 depoimentos espontâneos colhidos a partir de uma campanha realizada nas redes sociais, além de relatos de outros 20 entrevistados, convidados pelas três, com atuação na cena literária da cidade. "Para mim, o grande mérito do projeto é narrar um pouquinho da história cultural da cidade por viéses pouco visitados. Usualmente, a gente conta a história da leitura e a da literatura na perspectiva de escritores, de suas obras, dos movimentos literarios aos quais ele pertencem ou na abordagem estatística, que elenca, por exemplo, quantas bibliotecas existem numa cidade, ou quantas livrarias, numeros que mostram o consumo dos livros... Aqui, escolhemos esse outro ângulo, que mostra como as pessoas vão construindo suas possibilidades de leitura - e, em alguns casos, também de escrita - em Belo Horizonte", explica Fabíola.

Ela analisa que são vozes que narram experiências individuais, mas que, juntas, podem ser consideradas "uma história coletiva dos jeitos de ler". "E também do que nos impede de ter acesso à leitura na cidade", ressalta. Cleide Fernandes conta que esse tema sempre esteve no bojo de suas conversas com Fabíola, posto que as dois já atuavam juntas no desenvolvimento de políticas públicas direcionadas ao incremento da leitura na cidade. "E sempre tivemos a (Maria da) Conceição como amiga e interlocutora", diz ela, referindo-se ao núcleo que delineou as primeiras linhas do projeto.  

Já no caso das pessoas que foram convidadas a compartilhar suas histórias, Cleide diz que a seleção foi norteada pela preocupação em obter, ao fim, um grupo heterogêneo, com uma equidade de gênero ("na verdade, acabamos tendo mais mulheres") e de raça presente. "Convidamos pessoas que julgamos ter uma relevância na cidade, algumas até nacionalmente", situa.

Entre os entrevistados, estão pessoas como a escritora Ana Elisa Ribeiro, a narradora de histórias Aline Cântia, a livreira Etiene Martins, o escritor Francisco de Moraes Mendes, a educadora Macaé Evaristo, as editoras Maria Antonieta Cunha e Maria Mazzarelo, o ator Odilon Esteves, o escritor e ilustrador Nelson Cruz e o fundador do Coletivoz – Sarau de Periferia, Rogério Coelho, entre outros não menos importantes.

Por conta da pandemia, a equipe conseguiu fazer apenas três entrevistas presencialmente, no início do ano passado. "Logo depois veio a quarentena, e fomos seguindo por mecanismos como o Whatsapp ou mesmo por email, por escrito", diz Cleide. Quanto aos 42 depoimentos espontâneos, de "pessoas comuns", que falaram sobre suas trajetórias de leitura, Cleide conta que muitos deles trazem registradas questões como a importância da leitura como mecanismo de ampliação de visão de mundo. "Temos também relatos de como a literatura salvou determinada pessoa, como possibilitou o acesso a certos lugares... E na verdade, é isso mesmo. Se quisermos construir um futuro mais progressista, precisamos conhecer a história. E, ao mesmo tempo, temos a literatura com o papel de nos tornar mais humanos. Podemos viver mil vidas em uma literatura. Por tudo isso, o acesso à leitura é um direito". 

As histórias colhidas ratificaram também a importância da promoção de eventos e ações culturais permanentes na área da leitura, bem como a pertinência de os mesmos não estarem concentrados apenas na região central de Belo Horizonte. Também espelharam o crescimento  dos movimento que vêm das periferias. Vale dizer que a publicação está disponível para download, com recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência visual, no blog http://historiaafetivabh.blogspot.com. Neste mesmo endereço, está disponibilizado um espaço para quem quiser deixar registrada a sua história afetiva de leitura. 

Em tempo: assim que for possível a reabertura das bibliotecas, as pesquisadores prometem  uma exposição itinerante nos centros culturais da capital mineira, com depoimentos e um ensaio fotográfico do livro.