Cultura e Patrimônio

Livro faz registro urbano inédito dos bairros Lagoinha, Santa Tereza e Savassi

'Quanto Tempo Dura Um Bairro' reúne fotos de 700 fachadas de imóveis históricos de BH e revela também a memória de seus moradores

Por Bruno Mateus
Publicado em 15 de julho de 2020 | 07:07
 
 
 
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Quanto tempo dura um bairro? Quanto tempo dura a memória de uma cidade e seus moradores? As respostas para essas perguntas podem passar por diferentes caminhos e apontar para diversas percepções, que encontram eco em questões sociais, políticas e urbanísticas, mas também resgatam recordações afetivas e nostálgicas. Em 2014, o designer Philippe Albuquerque morava em uma casa na rua Salinas, em Santa Tereza, quando recebeu um comunicado da Prefeitura de Belo Horizonte sobre o processo de tombamento do imóvel que ele alugava no bairro da região Leste de Belo Horizonte. Isso lhe despertou a curiosidade e o ímpeto de entender a situação.

Foi aí que ele chamou sua amiga e fotógrafa Mirela Persichini para registrarem a fachada dos 288 imóveis naquele bairro que constavam no dossiê do órgão municipal. Percebendo que o assunto era complexo e poderia ser ampliado, a dupla decidiu investigar também a situação patrimonial do Lagoinha e da Savassi, reunindo três regiões com histórias, realidades e lógicas distintas entre si.

O resultado dessa minuciosa pesquisa realizada pela dupla ao longo dos últimos anos, auxiliada por uma equipe e finalizada em 2019 compõe o livro “Quanto Tempo Dura um Bairro”, lançado neste mês. Em quase 200 páginas, foram documentadas cerca de 700 fachadas de imóveis tombados ou em vias de passar por esse processo. Em dezembro de 2019, o site com o acervo do projeto já havia sido lançado. 

Ao construir um mapa urbano dos bairros Lagoinha, Santa Tereza e Savassi, o livro acaba por desvendar memórias e recordações de moradores, mas também desigualdades e contradições de uma metrópole. Se, na Savassi, metade 100 imóveis catalogados pelo livro já foram tombados, no Santa Tereza e no Lagoinha a situação é bem diferente. Nesses dois bairros, apenas oito construções entre quase 300 em cada região já tiveram o processo de tombamento finalizados e dezenas veem o processo, que pode durar anos, se desenrolar.

“É interessante perceber como o planejamento urbano tomou conta desses bairros com destinos absolutamente diferentes, com o Santa Tereza mantendo uma questão de preservação mínima e o Lagoinha sendo absolutamente descaracterizado. Já a Savassi está atrás da praça da Liberdade, faz parte da história estética de uma elite”, aponta Albuquerque. “Estamos dizendo o que é preservado e o que é largado no abandono. Fazer esse tipo de levantamento e discutir a importância dessas narrativas diz também sobre a preservação de um povo”, acrescenta Mirela, que mora no Lagoinha há seis anos.

Relatos

“Quanto Tempo Dura um Bairro” também traz depoimentos de moradores dessas três regiões. Segundo Philippe Albuquerque, a equipe escolheu os entrevistados levando em consideração suas relações com os respectivos bairros e o longo período pelo qual moram ali. Embora sejam as memórias de pessoas que vivem em lugares completamente diferentes, o designer diz que os relatos guardam traços em comum.

“Todos eles revelavam essa nostalgia de outros tempos nos bairros, apesar de cada bairro estar numa situação completamente diferente do outro. Os depoimentos também carregam pertencimento e orgulho de fazer parte dessa história, de construir cotidianamente um pedaço da cidade”, observa o designer, que ainda reside no Santa Tereza, em um local próximo à casa da rua Salinas.

Para Mirela Persichini, Belo Horizonte vive um avanço na luta pela questão da memória e do patrimônio. Ela cita os movimentos Viva Lagoinha e Salve Santa Tereza como importantes iniciativas de moradores desses locais. “Temos que parar de apagar as coisas, os bairros. As coisas mudam, mas apagar isso com um propósito não está legal”, ela diz. Philippe Albuquerque acrescenta que é fundamental perceber o espaço público e preservá-lo: “Esse registro já é datado, as fotos estão paradas dentro desse livro, mas a cidade continua se movimentando”.

Das páginas do livro, documento necessário, afetivo e histórico de um lugar e seus moradores, salta uma resposta para a pergunta na primeira linha deste texto: “Descobrimos, por entre ruas e portas adentro, que os bairros duram mais nas pessoas que nos registros. E que há bairros inteiros dentro de cada um – mesmo quando a cidade é cúmplice de soterramento de lembranças de certa parte da população”.

O livro

Lançado no início deste mês, “Quanto Tempo Dura um Bairro?” foi realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, tem 192 páginas e tiragem de mil exemplares. O livro será distribuído para centros culturais da prefeitura, bibliotecas públicas e centro universitários, além de ser sorteado para moradores dos três bairros e de outras regiões. Há, também, a opção de compra no Instagram. O valor é R$ 39.

Roda de conversa

Nesta quarta-feira (15), às 18h, os autores do “Quanto Tempo Dura um Bairro” e membros da sociedade civil, pesquisadores e ativistas participam de uma live para falar sobre o livro e as questões que ele coloca em debate. A transmissão acontece pelo perfil no Facebook do antropólogo e mestre em patrimônio cultural Rafael Barros.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

t e l a d e c o n v e r s a s Uma conversa de fim de tarde no meio-fio imaginário dos bairros que atravessam com intensidade a história de Belo Horizonte: Lagoinha, Santa Tereza, Savassi. Um encontro simultâneo de janelas ecléticas de moradoras, passantes e pesquisadoras, para celebrar a potência dessas memórias. Uma aproximação entre as políticas públicas patrimoniais e suas reverberações nos diferentes seres que habitam, imaginam e produzem a cidade. Com Alícia Penna Nasceu em BH em 1962. Arquiteta e escritora, é doutora em Geografia e professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas + Filipe Thales É publicitário, empreendedor social e modelo plus size. Morador da tradicional região da Lagoinha, berço da cidade de Belo Horizonte. É o fundador do @vivalagoinha - uma iniciativa que conecta pessoas que acreditam no potencial do bairro Lagoinha por meio da economia criativa + Glaucia Cristine de Araújo Moradora do recém reconhecido Kilombo Souza, no bairro Santa Tereza. Mora a 54 anos no mesmo lugar + Michele Arroyo Historiadora, atuando principalmente nos seguintes temas: patrimônio cultural, políticas públicas de proteção, reabilitação urbana, cidade educativa e educação para o patrimônio cultural, planejamento urbano. Coordenou a Diretoria de Patrimônio Cultural/FMC da PBH. Atuou como Superintendente do IPHAN em Minas Gerais e atualmente preside o IEPHA-MG + Priscila Musa Arquiteta, urbanista e fotógrafa. Desenvolve uma pesquisa sobre memória, produção e experiência do espaço de Belo Horizonte. É integrante do Espaço Comum Luiz Estrela e das Arquitetas Sem Fronteiras - Brasil + Rafael Barros Antropólogo, mestre em preservação do patrimônio cultural pelo IPHAN e ativista social. Atualmente assessora os mandatos Coletivoz da Gabinetona 15/7 QUA 18H https://bit.ly/teladeconversas

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