Uma vertente que vem se destacando no universo dos quadrinhos é a de histórias autobiográficas. Em vez de super-heróis ou personagens com fortes pinceladas fictícias em aventuras mirabolantes, entram em cena tipos comuns, identificáveis na vida real. Como a francesa Audrey Lainé, que estreia na graphic novel com “Duplo Eu” (Nemo), investida que ganha ainda mais brilho com as ilustrações de Navie.
Antes de adentrar a história propriamente dita, o leitor se depara com um testemunho que explicita as intenções da obra: “Senti a necessidade de escrever este livro para mostrar a face oculta de um aparente bem-estar”. Audrey se refere ao fato de estar acima do peso e não estar confortável com essa situação. “Que sentimento infernal esse, de ter a impressão de nunca ser boa o suficiente. Está constantemente nas nossas cabeças, como um diabinho que nos sussurra: ‘você é uma merda’”.
Na página seguinte, já no início do quadro a quadro, temos traz o ponto de virada da personagem, quando o excesso do peso torna-se um inimigo na hora de correr a mil para evitar que o filho pequeno, Lucien, pule na piscina, situação que está na iminência de acontecer. É hora, pois, de eliminar o duplo. E que “duplo” seria este?
Bem, ocorre que, numa das inúmeras visitas a profissionais que em tese a ajudariam a perder os quilos extras (essa, em particular, descrita pela autora como “nutricionista-psicóloga-salvadora”), a personagem ouve as palavras que, no jargão popular, fazem com que a ficha caia. “Você carrega nas costas o peso médio de uma mulher de sua idade. Ela está com você todos os dias, a cada movimento que você faz. Você vive com um duplo”.
Com coragem e franqueza, Audrey repassa situações e armadilhas conhecidas por quem luta contra a balança – lembrando que, nos dias de hoje, há um número cada vez mais significativo de pessoas que, confortáveis com seus pesos, mesmo que não se enquadrem nos ditos “padrões”, militam pelo fim da gordofobia, mazela que deixa marcas profundas naqueles que dela são vítimas.