Quando Fernanda Torres veio a BH com o espetáculo “A Casa dos Budas Ditosos” pela última vez, o Sesc Palladium, onde ela reapresenta a peça nesta sexta (1) e sábado (2), sequer tinha sido reinaugurado. Uma década foi o tempo de espera para que os mineiros pudessem conferir novamente o monólogo e, obviamente, não foi só a abertura de um novo palco que ocorreu no período.

O amadurecimento da atriz, agora consagrada também como roteirista e escritora, foi evidente e, certamente, vai transparecer. Em 2004, o espetáculo lhe rendeu um Prêmio Shell e ainda o Prêmio Qualidade Brasil – também conquistado nas categorias diretor e comédia.

No palco, ela interpreta uma libertina baiana de 68 anos que detalha as numerosas experiências sexuais que teve, em adaptação do livro do baiano João Ubaldo Ribeiro (1941-2014). A direção é de Domingos de Oliveira. “A idade mudou minha maneira de fazer essa peça. Quando estreei (há 14 anos), tinha 37 e há uma fala em que ela (a personagem) diz que a melhor fase da vida é ali, perto dos 35. Hoje, sinto que digo isso com a mesma nostalgia e a mesma compreensão dela. Também domino melhor o ritmo das passagens, tenho a peça mais na minha mão”, reflete Fernanda.

Por isso, mesmo dando vida a outros personagens célebres por longos períodos, como a Vani, de “Os Normais”, e a Fátima, de “Tapas e Beijos”, ambas as séries na TV Globo, Fernanda afirma que esse tem sido seu papel mais confortável, aquele que todo ator espera ter a sorte de encontrar e, sempre que possível, retornar a ele. “É um espetáculo que, desde o primeiro ensaio, foi muito acertado, graças à qualidade do texto, à abrangência do tema e à adaptação minha com o Domingos. Nunca consegui fazer essa peça por longos períodos e nem sei se quero, porque não gosto de fazê-la por obrigação. Por isso, tenho feito curtas temporadas e já fiquei até mais de dois anos sem fazê-la”, diz.

O vínculo que Fernanda tem com “A Casa dos Budas Ditosos” também tem a ver com o autor, João Ubaldo Ribeiro. “Ter conhecido o João foi um marco na minha vida. Um homem com aquela inteligência e qualidade de humor. Ter trabalhado em um texto dele de maneira íntima me influenciou muito a começar a escrever”, revela.

Monólogo. Se, para muitos atores e atrizes, fazer monólogo é complexo e até hesitante, Fernanda elogia a oportunidade. O período em que a peça vem sendo produzida deve-se também a essa facilidade, já que não é necessária uma grande equipe ou cenário elaborado. “Fazer monólogo é maravilhoso porque ele permite uma interação com o público, é fazer o espetáculo para a plateia, uma prática que ensina muito a ouvi-la e reconhecê-la”, diz.

Em BH, a atriz garante que é especial essa relação. “Minas é um pouco como Pernambuco no sentido de serem Estados que dizem muito a respeito da alma do brasileiro, fora que tem isso de terem um público intelectual, que tem relação com o teatro muito grande. Minha mãe (a atriz Fernanda Montenegro) sempre diz que Minas é o Brasil, é essa parte que liga o Nordeste com o Sudeste, é o coração do país”, comenta.


Agenda

O quê. “A Casa dos Budas Ditosos”, com Fernanda Torres

Quando. Nesta sexta (1) e sábado (2), às 21h

Onde. Grande Teatro Sesc Palladium (av. Augusto de Lima, 420, centro)

Quanto. Entre R$ 130 (inteira, plateia I) e R$ 32 (comerciário, plateia III)


Convívio da escrita com a tela

FOTO: João Miguel Júnior/TV Globo
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Em “Filhos da Pátria”, série da Globo, atriz é uma nova rica, matriarca da Família Bulhosa

Paralelamente ao teatro, Fernanda Torres segue com outros projetos. Na telinha, estará em “Filhos da Pátria”, série da rede Globo já disponível no aplicativo Globo Play e cuja estreia no canal será em setembro. Na obra, ela é uma nova rica, casada com o personagem de Alexandre Nero. “É uma tragicomédia sobre a corrupção”, conta.

Por causa de seu envolvimento no seriado, Fernanda faz um paralelo com a situação atual no país. “Sinto que o Brasil foi sequestrado por Brasília. É chocante ver a falta de saneamento básico, de escola, mas esquemas em todos os lados, pessoas roubando da saúde. Estou desesperançosa”, diz.

Recentemente, sua descrença também com o sistema prisional a levou ao centro de uma polêmica, dada a comparação que fez com as prisões de Auschwitz, em artigo da “Folha de S.Paulo”. Fernanda visitou o presídio Evaristo de Moraes, no Rio, a convite do deputado estadual Marcelo Freixo, a quem havia procurado para uma orientação na construção de seu novo livro – sobre o qual ela não dá detalhes. “Foi chocante, porque ali vi toda a tragédia social”, diz.

Além disso, Fernanda está elaborando um roteiro de uma série para a Globo, adaptação de seu livro “Fim”, que deve entrar em produção em 2019. “De tudo que faço, o roteiro é a coisa mais difícil. Quem escreve o livro é dono do tempo, mas, no roteiro, tem a métrica da virada do capítulo, é preciso pensar no cenário: é complexo”, explica. Ainda neste semestre, será lançado o filme “O Juízo”, dirigido por Andrucha Waddington, cujo roteiro ela assina. “É um suspense com pitadas sobrenaturais. Sempre rodei entre cinema, teatro, televisão. Descanso de um e vou para outro. Agora, incluí nesse rodízio o escrever, que adoro, mas também adorei fazer ‘Filhos da Pátria’ que não tive nenhuma colaboração no roteiro. É um prazer imenso circular. Uma coisa alimenta a outra”.