BRASÍLIA - Um corpo sendo carregado de um lado a outro por ruas periféricas de Recife foi a principal imagem da primeira noite de competição do 40º Festival de Brasília, na quarta-feira. "Amigos de Risco" é a estréia do pernambucano Daniel Bandeira na direção - ele já estivera no festival antes como montador do curta "Vinil Verde" (2004), de Kleber Mendonça Filho. Na sua incursão de realizador, Bandeira escolheu narrar a história de três grandes amigos numa noitada.
Um deles, Joca (vivido por Irandhir Santos, prêmio de coadjuvante no ano passado por "Baixio das Bestas", de Cláudio Assis), acaba de voltar à cidade e convida os outros dois para a balada. Malandro e cheio de golpes, esse personagem irá sofrer uma overdose de cocaína e ser levado nos braços pelos companheiros em busca de socorro.
É o vai-e-vém desse trio que inquietou público e crítica presentes na sessão - até porque, na medida que o filme se desenvolve, o espectador (e os personagens) vão descobrindo informações nada agradáveis e camaradas relativas ao jovem desmaiado. "Eu queria trabalhar com a questão de até onde os laços de amizade suportam a pressão das dificuldades sociais e pessoais", diz Daniel Bandeira a respeito de "Amigos de Risco". "Existem comportamentos atrozes na sociedade que se tornam legítimos em determinadas situações. Mas tentei não julgar nada, pois seria simplista da minha parte. Ninguém está certo ou errado no filme".
Valores
Tarefa ingrata para este repórter ter que relatar as implicações morais e estéticas de "Amigos de Risco" sem revelar seu desfecho - o principal catalisador das reações ao filme. Mas sem revelar nada de substancial, pode-se dizer que, ao fim, os dois amigos tomam uma decisão sobre o terceiro colega que pode ser interpretada como moralista, questionável ou limítrofe. "Desde o início eu pretendia trabalhar com relativizações, sem impor a ninguém nenhum tipo de peso ou culpa. Todos em cena possuem valores individuais e que precisam ser respeitados, concorde-se ou não". Questionado se o tal final reflete um pensamento de si próprio, Bandeira se esquiva: "Existem escaladas diferentes de valores, muitos deles que não pertencem a mim, mas aos outros".
Irandhir Santos, que filmou "Amigos de Risco" em 2005 (antes, portanto, de suas mais célebres atuações em "Baixio das Bestas" e como o Quaderna da minissérie global "A Pedra do Reino"), defende a relação dos personagens como "uma circunferência de laços afetivos". "O Joca tem boas intenções e escolhas erradas. Se há algum tipo de desconstrução no filme, é a de esmiuçar o envolvimento dos três", afirma.
Mais jovem entre os concorrentes deste ano em Brasília, Daniel, 28, sente-se privilegiado em competir com nomes lendários como Júlio Bressane ("Cleópatra") e Carlos Reichenbach ("Falsa Loura"). Este último, inclusive, é referência assumida pelo pernambucano. "O Reichenbach é cineasta de olhos abertos àquilo ao seu redor. A forma como ele mescla experiências de vida com referências pessoais de cinema marca uma obra muito particular".