Festival

Ano de liberdades musicais

Série de shows na capital mineira revisita discos lançados em 1977 por Alceu Valença, João Bosco, Egberto Gismonti e a histórica Banda Black Rio

Por Raphael Vidigal
Publicado em 13 de novembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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No mesmo ano, o mundo perdeu Charlie Chaplin, Elvis Presley, Maria Callas e Clarice Lispector. Mas foi também em 1977 que o Brasil ganhou quatro obras emblemáticas, agora revisitadas pelo projeto “Conexão 77: 4 Discos Mágicos de 1977”. A série de shows que começa nesta quarta-feira (14) tem como princípio jogar uma nova luz sobre os álbuns “Espelho Cristalino”, de Alceu Valença; “Carmo”, de Egberto Gismonti; “Tiro de Misericórdia”, de João Bosco; e “Maria Fumaça”, da Banda Black Rio, através do olhar de músicos que tiveram diferentes relações com cada um deles. Para completar, o crítico e jornalista Hugo Sukman ministra a palestra gratuita “A MPB dos anos 70: Uma ponte para o futuro”, no dia 15, às 15h, no Centro Cultural Banco do Brasil.

A seleção dos títulos ficou a cargo do curador Luís Filipe de Lima, que procurou traçar “um painel diverso e eloquente”. “Para mim, este é o ano que reúne trabalhos mais potentes”, defende Lima. Pedro Luís, 58, foi o escolhido para revisitar o LP de Alceu Valença e estará acompanhado por uma banda de respeito, que agrega, por exemplo, Jamil Joanes, histórico baixista do Som Imaginário e da Banda Black Rio, que inclusive participou das gravações de “Maria Fumaça”, outro disco relembrado.

A identificação de Pedro Luís com o inventário musical de Alceu se reflete na proximidade do carioca com a canção nordestina, o que chegou a gerar até um episódio inusitado. “Uma vez a Elba (Ramalho) me apresentou em um show como pernambucano. Muita gente acha que sou de lá porque me valho dessa linguagem com frequência, tenho vários xotes, repentes, baiões, é algo que muito me interessa e quero continuar aprendendo com esse manancial de músicas do Nordeste”, afirma o compositor.

O fato de estar no papel de intérprete tampouco é novidade para ele. Um dos criadores do Monobloco, Pedro Luís transformou em hábito a prática de dar novos sabores a repertórios alheios. No entanto, a missão de encarar um único disco trouxe outros desafios, até porque o cantor admite que não era exatamente íntimo desse trabalho. “O impacto desse disco sobre mim está sendo maior agora do que na época do lançamento. Ele tem a assinatura forte do Alceu, que é a da mistura, com elementos de psicodelia, maracatu, rock e, talvez de forma inconsciente, trouxe de maneira coletiva os ingredientes do que viria a ser o manguebeat”, avalia Pedro Luís.

“Espelho Cristalino” foi o quarto álbum lançado por Alceu e engloba faixas como “Agalopado”, segundo o autor inspirada pelo folclore alagoano, e “A Dança das Borboletas”, parceria com Zé Ramalho, que abandonou a produção do disco depois de uma discussão com o anfitrião por discordâncias sobre a utilização de um efeito de voz. Embora gravado em estúdio, o LP chamou a atenção de Pedro Luís por outra característica. “Ele tem um fluxo muito livre, o andamento não é cravado, o que o torna ainda mais interessante, parece que foi feito ao vivo”, afirma o cantor.

 

Atualidade das obras ainda impressiona os intérpretes

A primeira vez que Pedro Luís viu Alceu em um palco foi no Festival Abertura, da TV Globo, em 1975. O pernambucano interpretava “Vou Danado pra Catende”. “Fiquei impressionado com o vigor. Alceu é um cara muito intuitivo, e me reconheço nisso”, observa Pedro Luís, que tem a palavra exata para definir o ano de 1977. “Foi um momento libertário, efervescente, que resultou em discos incríveis. Fica, para os dias atuais, o desejo de liberdade”, diz.

Verônica Ferriani enxerga a mesma perenidade em “Tiro de Misericórdia”, de João Bosco, sobre o qual colocará sua voz à disposição. “Me instigam a atualidade das temáticas, 40 anos depois, e a naturalidade e liberdade com que o João declama letras ousadas do parceiro Aldir Blanc. Tem poesia e, ao mesmo tempo, tira proveito e ironia da trivialidade”, destaca Verônica. A faixa-título, que encerra o LP, é um desses exemplos. “É um tiro de realidade, o impacto final para fechar o disco com chave de ouro”, exalta a cantora.

Já o pianista André Mehmari, que se apresenta ao lado do cantor Antônio Loureiro, aponta o aspecto ímpar do disco “Carmo” dentro da própria obra de Egberto Gismonti. “Aparentemente Egberto perdeu o interesse pela criação de canções, mas nessa época ele criou algumas fantásticas, como o ‘Apesar de Tudo’, um samba-canção lindo, gênero que ele nunca mais compôs”, finaliza.

Agenda

O quê

“Conexão 77: 4 Discos Mágicos”, com Pedro Luís, Verônica Ferriani, André Mehmari e outros.

Quando

De quarta (14) a sábado (17), sempre às 20h30.

Onde

Centro Cultural Banco do Brasil (Circuito Liberdade, 450, Funcionários).

Quanto

R$ 30 (inteira).

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