Quem já foi ao Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador (BA), sabe que é impossível escapar de ao menos duas atrações: subir até a sacada onde Michael Jackson (1958-2009) se apresentou com o Olodum em 1996 e acenar da janela para os cliques do cônjuge e ser convidado a pintar o corpo com as famosas tintas brancas que formaram a personalidade estética do Timbalada (o primeiro disco do grupo, de 1993, sensualizava com a imagem dos seios de uma mulher cobertos por essa tinta). Diante da força percussiva dos dois grupos há até quem se confunda e questione a qual deles pertencia o hoje jurado de TV Carlinhos Brown. Não era ao Olodum.
Fundado em 25 de abril de 1979 como forma de garantir à população periférica do conjunto Maciel-Pelourinho o direito de brincar no Carnaval, o Olodum chega aos 40 anos com muita história pra contar. Se com a perda de espaço mercadológico do ritmo enlatado que ficou conhecido como axé music – termo criado pejorativamente pelo jornalista baiano Hagamenon Brito nos anos 90 –, é inegável que o auge do grupo passou, a comemoração de um passado não tão distante de glórias segue devidamente encorpada. Para 2019, estão previstos os lançamentos de um documentário, um livro de fotografias e um centro de memória digital com toda a trajetória, música e iconografia do Olodum.
História. O batismo do grupo teve inspiração no orixá Olodumaré, conhecido como o Ser Supremo das religiões de origem africana. Ao ser criado como bloco carnavalesco por jovens negros da periferia, a identidade da iniciativa estava sacramentada. Depois de estrear oficialmente no Carnaval em 1980, a empreitada histórica arrastou no ano seguinte duas mil pessoas pelas ladeiras da cidade, em desfile que exaltava as lutas pela liberdade do povo negro em Guiné-Bissau, no continente africano.
Já em 1983, o Olodum deu um passo à frente em sua concepção política com a criação de projetos sociais e culturais como o Rufar dos Tambores, a Banda Mirim Olodum, o Bando de Teatro (que formou o ator Lázaro Ramos) e cursos afro-brasileiros. Em 1984, foi reconhecido como entidade de utilidade pública municipal e estadual.
Foi nesta condição que aconteceu o lançamento do primeiro LP, “Egito, Madagascar”, de cara trazendo a febril “Faraó” (Luciano Gomes dos Santos), um sucesso de proporção nacional que ultrapassou o gueto da Bahia. “Olodum 10 anos”, festejava em 1989 a primeira década do conjunto. Nesse mesmo período, percorreu Europa, Oceania e América do Sul na estreia das turnês internacionais.
O afago contrário também aconteceria, não apenas com a célebre apresentação ao lado de Michael Jackson nas gravações do clipe “They Don't Care About Us”, mas em encontros com Jimmy Cliff, Wayne Shorter e Herbie Hancock. Deixando de lado a ênfase na percussão, o Olodum começou a agregar sopros, cordas e teclados em sua instrumentação. A estratégia prenunciava o distanciamento da raiz samba-reggae que consolidou o estilo do Olodum em seu início. Em 2018, o sucesso “Vem Meu Amor” foi cantado pela dupla Anavitória.
Homenagem. Tido como “uma pequena experiência de pessoas que mudaram a história de um lugar” por seu presidente João Jorge Rodrigues, 63, o Olodum recebeu homenagem no Carnaval de 2019 do Baianas Ozadas, o maior bloco da folia belo-horizontina, acompanhado por 650 mil foliões em seu mais recente cortejo. Em 2017, após discordâncias sobre se profissionalizar e atender às demandas do crescente “olho gordo” do mercado em cima do Carnaval ou manter o espírito politizado e espontâneo que deu origem à festa, o Baianas enfrentou uma dissidência que resultou no bloco Havayanas Usadas.
Símbolo de uma conquista popular e sinal de orgulho para quem mora ou chega até o Pelourinho, o Olodum, tal qual os que o homenagearam, parece sofrer com a diluição que a lógica mercantilista gera em propostas culturais e artísticas de grande alcance. Mas o seu legado permanece. “É seguramente a coisa mais importante que ocorreu na cultura da Bahia nos últimos 40 anos. O critério para ser parte do Olodum não é ser preto, é ser antirracista”, resumiu em entrevista à Folha de São Paulo o ex-presidente da Fundação Palmares e ex-dirigente do Olodum, Zulu Araújo.
Ouça músicas de sucesso do Olodum:
Antirracista, Olodum celebra 40 anos com filme, livro e centro de memória. Grupo foi fundado por jovens negros da periferia em abril de 1979 https://t.co/VA7dbqwKRe#olodum #filme #livro #grupo #quarentaanos pic.twitter.com/AvS80GHB4b
— O Tempo (@otempo) 24 de abril de 2019