Quando saíram as primeiras imagens e trailers de “As Viúvas”, que estreia nesta quinta-feira (29) nos cinemas, muita gente o descreveu apenas como um filme sobre um assalto. Porém, um longa-metragem do britânico Steve McQueen não pode ser descrito apenas sob um prisma – ainda mais um tão simplório, que o coloca junto com tantas outras produções.

Em “As Viúvas”, que deve ser um dos principais títulos na corrida ao Oscar, o cineasta constrói sua história a partir da vida de quatro mulheres, e a verdade é que 120 minutos é pouco tempo para apresentar a complexidade da personalidade dessas figuras. Por meio de flashbacks e diálogos, o público passa a entender o que essas mulheres viveram para estar como as vemos hoje, no momento em que se passa a trama.

Quem assina o roteiro de “As Viúvas” ao lado de McQueen é Gillian Flynn, do filme “Lugares Escuros” (2015), com Charlize Theron, e da excelente série da HBO “Sharp Objects” (2018), com Amy Adams e Patricia Clarkson em atuações primorosas. Nos dois casos, Gillian apresenta protagonistas mulheres com alicerces emocionais muito bem-construídos, que são revelados ao público aos poucos – como se fosse para dar tempo aos espectadores para digerir bem todas as nuances.

Como o filme de McQueen traz essa força feminina, claro que o diretor escolheu a dedo sua atriz principal: Viola Davis, vencedora do Oscar em 2017 (por “Um Limite entre Nós”, de Denzel Washington) e do Emmy em 2015 (pela série “How to Get Away with Murder”).

Viola interpreta Veronica, uma mulher que revela suas fragilidades e também descobre suas forças ao perder seu marido, Harry (Liam Neeson), durante um assalto. Harry era o líder de uma quadrilha que realizava grandes roubos. Durante uma fuga, ele e os comparsas são mortos numa ruidosa ação policial.

Com a morte do marido, Veronica vê sua vida aparentemente perfeita ruir quando um bandido bate à porta de seu apartamento impecável para cobrar dela uma dívida do falecido. A mulher não tem dinheiro, mas tem nas mãos uma agenda com os planejamentos de assaltos de Harry. Entre eles, um que não chegou a ser executado. Veronica, então, marca um encontro com as outras viúvas – as mulheres dos comparsas de Harry – e propõe que elas sigam as orientações deixadas pelo criminoso e realizem o assalto para, assim, terem dinheiro para reconstruir suas vidas.

As viúvas que topam o assalto são Linda (Michelle Rodriguez, da franquia “Velozes e Furiosos”) e Alice (Elisabeth Debicki). A primeira se desespera ao ver sua loja ser tomada por agiotas e descobre que seu falecido marido perdera todo o dinheiro e os poucos bens da família em apostas. A segunda, acostumada a ser maltratada e violentada pelo então companheiro e pela mãe, reluta, mas decide que está na hora de ter as rédeas de sua própria vida. Assim, as mulheres passam a se reunir para planejar e executar o roubo. Durante esse preparo, o público desvenda o passado dessas personagens, principalmente o de Veronica, cujo drama se estenderá para o presente de forma surpreendente. Junta-se às viúvas a cabeleireira e babá Belle (Cynthia Erivo), outra fortaleza construída por McQueen.

Corrupção e poder

Além de trazer nas entrelinhas críticas sociais ao mostrar as mulheres submetidas ao machismo enraizado na cultura, o cineasta também aborda a corrupção e a violência praticada por aqueles que deveriam zelar pela comunidade. No entanto, políticos, líderes sociais e pastores são trazidos à superfície de forma extremamente bruta. Um triste retrato da falta de ética e de humanidade em nome da ganância. McQueen coloca políticos e criminosos no mesmo barco e traça uma linha tênue que pode delimitar essas duas definições – que jamais deveriam estar tão próximas.

Os maiores criminosos, nesse contexto, são Jack Mulligan (Colin Farrell) e Jamal (Brian Taree Henry), opositores políticos que disputam votos em um bairro carente. Jack tem a carreira impulsionada pelo pai, o controlador e preconceituoso Tom (Robert Duvall), enquanto Jamal conta com o capanga Jatemme (Daniel Kuluuya) para arrebanhar seus seguidores.

Com drama e ação, “As Viúvas” é mais um interessante filme do versátil McQueen, que mostra sua facilidade em tratar os temas sociais em diferentes âmbitos, épocas e ângulos, como fez também em “Shame” (2012) e “12 Anos de Escravidão” (2014).