A pandemia do novo coronavírus tem provocado uma série de cancelamentos e suspensões de shows, festivais, peças e exposições ao redor do mundo, em função do isolamento social necessário para conter seu avanço. Em Minas Gerais, desde março as atividades ditas "não essenciais" e que envolvem aglomeração de pessoas, incluindo eventos, estão suspensas, seguindo a orientação dos órgãos internacionais de saúde.

No último fim de semana, por exemplo, o Arraial de Belo Horizonte, considerada a maior festa junina do Sudeste, foi cancelado pela prefeitura da capital. Mas esse não vai ser o único grande evento adiado pela PBH.

Ainda sem uma nova data para acontecer, a Virada Cultural de Belo Horizonte, que estava agendada para os dias 25 e 26 de julho, foi suspensa, assim como a 15ª edição do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte (FIT), programada para o segundo semestre. Outro evento cancelado foi o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ)  na capital - estava previsto para o final deste mês. 

A Secretaria Municipal de Cultura e a Fundação Municipal de Cultura afirmaram estar avaliando novos formatos para os eventos, mas ainda não divulgaram detalhes. Enquanto isso, artistas e produtores culturais da cidade temem que 2020 seja um ano "perdido". Em um país que em que a arte é tão vulnerável ao mercado, o temor do setor é que, com a suspensão dos eventos, a classe fique ainda mais desamparada. Outro agravante, segundo os artistas, é que as atrações online não consigam manter a essência de algumas atividades. 

De acordo com Gabriela Santoro, presidente do Instituto Periférico, que venceu o edital aberto pela Fundação Municipal de Cultura para a realização da Virada Cultural este ano, a produção vai continuar trabalhando com vistas à possibilidade de realização do evento no segundo semestre. Com um público previsto de 500 mil pessoas, o orçamento estimado no edital era de R$ 2 milhões.

Segundo Gabriela, que também foi responsável pela produção da Virada Cultural no ano passado e pelo FIT 2018, não é possível pensar em soluções simplistas e cogitar que tudo aconteça pela internet. "Somos solidários, acompanhamos os casos e entendemos o que é mais prudente. Estamos analisando os possíveis cenários do que pode acontecer e projetando possibilidades, porque o mais importante, claro, é a segurança e a saúde de todos. Acho que ainda é cedo, prematuro, pensar em qualquer tipo de formato, por enquanto é preciso esperar", avaliou.

E completa: "Temos acompanhando uma tendência de caminhar para o (mundo) virtual. No entanto, a Virada é uma iniciativa que tem a característica de explorar os espaços da cidade, então, é difícil pensar no evento de forma virtual.  Tem o elo afetivo. Talvez a capacidade de público diminua, mas não sabemos, estamos estudando", completou Gabriela.

Com a premissa de a cada edição trazer a Belo Horizonte grupos de teatro renomados tanto nacional quanto internacionalmente, além dos destaques locais, o Festival Internacional de Teatro Palco & Rua (FIT) tinha a estimativa de reunir 40 mil pessoas. O edital ainda não havia sido aberto, mas a previsão de investimento era da ordem de R$ 2,7 milhões.

"A suspensão, infelizmente, é uma decisão correta dentro do panorama que estamos vivendo. E teatro é troca, contato, não existe pela internet. No FIT, cria-se a oportunidade de ter contato com diversos artistas de longe. Como essas pessoas viajam, quando será possível transpor grandes distâncias? A gente ensaia por meio de aplicativo, faz contação de histórias em live, mas isso é para manter o trabalho vivo, porque a gente tem paixão pelo que faz e não consegue ficar parado",  argumenta o ator e diretor do Grupo Galpão, Eduardo Moreira. 

Solução
Para o cantor Marcelo Veronez, 2020 é um ano que pode ser esquecido para a categoria. Mas ele lembra que isso não significa que o setor possa ser abandonado. "Não tem como acontecer nada este ano. Cultura é feita de aglomeração. Em muitos eventos, se não tem pessoas, aquilo perde completamente o sentido de existir. Estou dando um voto de confiança para que os governos apresentem soluções objetivas. Mas isso precisa acontecer rápido", salienta.

O ator e fundador da Cia Pierrot Lunar, Léo Quintão, sugere que sejam criados editais específicos para cultura, levando em consideração as peculiaridades do setor. "Assim como tem o auxílio emergencial de R$ 600, deveria existir um auxílio para a classe artística, que muitas vezes não consegue ser contemplada nos moldes do que o governo está criando. O nosso grupo tem 26 anos, e o espaço (próprio), 12. Agora, está tudo fechado. Como ficamos? Ninguém sabia que isso ia acontecer, mas estamos falando de ações emergencias para a cultura que não estão sendo tomadas. Que se pense em uma verba direta para a categoria ou então que, como vários eventos estão suspensos, que os recursos já previstos (para a realização dos mesmos) sejam realocados para os artistas", sugeriu.

Outro lado 
Indicado para chefiar a Secretária de Estado de Cultura e Turismo em Minas Gerais, o arquiteto e urbanista Leônidas Oliveira, que deve ser nomeado nos próximos dias para assumir o cargo, vê o momento como um espaço para a reflexão.

"Concordo plenamente (com a suspensão), é o momento de pensar no artista, na pessoa humana, mas não quer dizer que a Virada Cultural não possa acontecer em forma de lives, dentro de casa. É preciso criar mecanismos para que os artistas tenham emprego. Esses cancelamentos têm me deixado triste, angustiado, me preocupo muito com isso. Não só (os cancelamentos) da Prefeitura, mas não estou vendo cuidado com os artistas no sentido de dar alternativas em lugar nenhum. O artista é do palco, é preciso pensar alternativas", ressaltou.

Procurada, a Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte informou que algumas medidas em caráter emergencial já foram tomadas, entre as quais a viabilização da distribuição semanal de alimentos, em parceria com o programa Banco de Alimentos, da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, para os artistas de rua, os fotógrafos lambe-lambe que atuam no Parque Municipal, os artistas de circo que estão na cidade, as quatro comunidades quilombolas de Belo Horizonte e os artesãos indígenas. 

A FMC reforçou ainda que está empenhada em minimizar os impactos na arte e cultura da cidade, e que por isso vem mantendo diálogo permanente com o setor cultural, ouvindo manifestações de segmentos diversos da área e reforçando o compromisso com a produção artística e cultural da cidade e com as políticas públicas municipais voltadas para a cultura.

"Outra iniciativa foi a autorização de pedidos de readequação de projetos aprovados e com execução em andamento na Lei Municipal de Incentivo à Cultura (LMIC), que estavam suspensos. Dessa forma, os empreendedores culturais têm a possibilidade, por exemplo, de solicitarem a modificação no formato de execução dos seus projetos, de modo que possam ser realizados respeitando-se as recomendações da Secretaria Municipal de Saúde durante a pandemia", por meio de nota.


Saiba quais eventos culturais estão suspensos em Belo Horizonte:

- 11ª edição do Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte (FIQ): estava programada para os dias 27 a 31 de maio e a estimativa de

investimento era de R$ 650 mil, com um público previsto de 80 mil pessoas;
- 6ª edição da Virada Cultural de Belo Horizonte: estava agendada para os dias 25 e 26 de julho e a estimativa de investimento era de R$2 milhões, com um público previsto de 500 mil pessoas;

- 15ª edição do Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte (FIT): estava agendado para o segundo semestre, e a estimativa do investimento era de R$ 2,7 milhões, com um público previsto de 40 mil pessoas.