Para Karim Aïnouz, a estatueta do Oscar está na seara do sonho. E o diretor de “A Vida Invisível”, que concorre a uma vaga entre os indicados a melhor filme internacional, prefere pensar em algo mais palpável, concreto: dar visibilidade ao longa inspirado no livro da pernambucana Martha Batalha. O longa deve entrar oficialmente em cartaz somente na quinta-feira (embora já possa ser visto na capital mineira em pré-estreia), após alguns adiamentos provocados pela agenda apertada de Aïnouz, que está percorrendo o mundo para divulgar a obra.
No início da semana passada, quando falou ao Magazine, por exemplo, o cineasta cearense, de 53 anos, estava em Los Angeles, em sessão para críticos da imprensa mundial votantes do Globo de Ouro. Dois dias depois, levaria “A Vida Invisível” à Europa. A maratona faz parte do lobby para que o filme seja visto por membros da indústria cinematográfica e da imprensa mundial, ganhe notoriedade e possa competir com outras obras, como “Dor e Glória”, do espanhol Pedro Almodóvar.
Como anda sua maratona de divulgação de “A Vida Invisível” mundo afora?
Estou agora em LA, apresentando o filme para um pessoal do Globo de Ouro. Estou fazendo campanha aqui, nos Estados Unidos, mas também em outros países. Está corrido, mas gostoso. É meio louco e nunca tinha feito isso antes! Estou curtindo. É importante para dar visibilidade não só ao filme, mas para o cinema brasileiro.
Esperava toda essa repercussão quando recebeu o convite do Rodrigo Teixeira?
De jeito nenhum! E isso é bom, porque não fiz o filme pensando nisso. Nada foi calculado. Simplesmente me identifiquei com a história, me apaixonei. Os personagens são muito verdadeiros. Essa foi a minha bússola, não a pauta do feminismo. O cinema traz coisas inesperadas mesmo.
Como é ter uma distribuidora como a Amazon trabalhando na divulgação de “A Vida Invisível”?
A Amazon é importante para fazer o filme ser visto. Com esse suporte, a gente está na pista de dança, e, para quem está na pista, as coisas acontecem. A Amazon tem essa estrutura que fala com as pessoas certas, na hora certa. O cinema brasileiro é muito preocupado com a produção, mas disseminar é também fundamental. Tenho experiência em mostrar filmes em festivais internacionais, mas o Oscar é outra coisa. É incrível ter um estúdio para defender o filme.
Você já consegue ver o filme no Oscar? Já assistiu aos outros que estão cotados? Ou nem pensa muito nisso?
Consigo ver a campanha, que é o que estou fazendo. Estou achando ótimo jogar com esses jogadores e estou fazendo campanha com prazer. Campanha a gente faz, estatueta a gente sonha… Há uma cinematografia interessante no Brasil agora, e colocar o cinema em evidência neste momento é importante. Nunca pensei em ter um filme meu no Oscar. Isso não estava no meu roteiro de vida, mas essa visibilidade da indústria do cinema brasileiro é essencial para mostrar que a gente é forte. É crucial mostrar essa força neste momento em que a Ancine é desmantelada. Neste momento em que a cultura, em vez de estar aí para unir, está sendo usada para separar.
Acho que você deve ter ouvido muita gente falar que uma mulher seria a escolha óbvia para a direção de “A Vida Invisível”. Como você encara esse tipo de comentário e como você procurou ver Eurídice e Guida?
Fiz muito essa pergunta para mim mesmo – e faço ainda. Na nossa prática, a gente nunca faz monólogo. A gente fala do outro. É um filme sobre mulher feito por um homem, mas quem é esse homem? Tenho mais familiaridade para falar de mulheres do que de homens. Cresci numa família de mulheres e, no filme, não falo sozinho. Há toda uma equipe de mulheres comigo – a diretora de fotografia, Hélène Louvart; a assistente de direção, Nina Kopko. A cena em que as duas irmãs trocam confidências no banheiro, por exemplo, é algo que eu não poderia nunca fazer sozinho, pois nunca vivi isso. Não criei esse universo feminino. Quem criou foi a Martha (Batalha), mas é um retrato de uma geração que eu conheço bastante bem.
A cena da noite de núpcias de Eurídice e Antenor é impactante. Muita gente ri no começo e segue rindo, mas de nervoso. O Gregório Duvivier disse em entrevista que foi difícil fazer. Como foi estar atrás da câmera e captar aquela agressão?
Foi desesperador fazer aquilo. É estupro marital. Você não quer ver isso. Muitas mulheres falam dessa cena. Vi muito a trajetória da Eurídice como uma guerra. Aquilo é um embate. No fim do filme, Fernanda é uma veterana de guerra. Era importante mostrar que essa geração passou por isso, pois não se falava disso. Claro que é uma cena dolorida, e, quando a gente filmou, só queria que o dia acabasse logo. A Hélène (Louvart) foi minha baliza para essa cena atrás da câmera, em um set fechado, com poucas pessoas.
Plasticamente, o filme é muito bonito. Há alguma intenção por trás das cores, dos contrastes?
É uma estratégia. A história é cruel, tem esse machismo institucionalizado, então, uso as cores, a luz para seduzir o espectador. Precisei criar esse ambiente artificial. O cinema tem isso: na epiderme é sedutor para falar à alma sobre algo cruel.
A história tem um quê de melodrama, uma narrativa novelesca. Por que decidiu conduzir o filme nessa direção?
É assumidamente melodramático. Quando vejo um filme assim, não saio do cinema como entrei. Saio chorando, angustiado, diferente. O filme me afeta. É potente isso para o cinema: como usar o melodrama, sem manipular.
As atrizes
A equipe de “A Vida Invisível” fez testes com centenas de atrizes até fechar com Carol Duarte e Julia Stockler, as irmãs Eurídice e Guida, respectivamente. “Era importante para mim que as atrizes não carregassem outras personagens, que não estivessem quatro vezes por semana na casa das pessoas. Elas precisavam ter mistério. São as que chamaram minha atenção logo no primeiro teste”, conta Aïnouz.