Arte

Coronavírus: Fotógrafos mineiros negros oferecem imagens em ação solidária

Segundo etapa do projeto 'Fotografias por Minas' destaca agora profissionais negros, indígenas e LGBTQI+

Por Letícia Fontes
Publicado em 13 de junho de 2020 | 06:00
 
 
 
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“A fotografia, antes de tudo, é um testemunho”. Foi assim que o fotógrafo norte-americano Ansel Adams definiu essa arte. E é exatamente assim que Rafael Freire e Ana Barros, profissionais mineiros, lidam com o ofício. Negros, eles escolheram dar mais visibilidade para modelos com a mesma cor de pele. Em ensaios e trabalhos autorais estão presentes a beleza, o protesto e a representatividade, e, em um mercado restrito como a fotografia, os fotógrafos são quase resistência no meio.

Morador do aglomerado da Serra, na região Centro-Sul da capital, Rafael Freire tem a mesma câmera há sete anos. O equipamento foi um presente de uma amiga, que acreditou no seu trabalho e recebeu o pagamento em longas parcelas. Fotografando o cotidiano na comunidade, Freire ainda não consegue se sustentar como fotógrafo. Isso porque muitos dos clientes acreditam que ele deva cobrar um valor mais baixo que o dos colegas.

Com fotografias que já rodaram o mundo, o fotógrafo nunca conseguiu fazer um curso, tudo o que aprendeu foi sozinho: “Falam que, por eu morar em uma favela, tem que ser mais baixo o preço. As pessoas veem meu trabalho, mas, quando veem minha cor e conhecem minha história, desqualificam. É puro preconceito. Minha câmera já estragou duas vezes, não consigo nem ter um equipamento melhor por condições financeiras. Hoje, eu aprendi a eu mesmo dar valor ao meu trabalho, porque negro não tem espaço nunca e na fotografia também não”, desabafou. 

Já a arquiteta Ana Barros, além de negra, é mulher. “A fotografia é composta basicamente por homens brancos e classe média-alta. São equipamentos caros, é elitista, tem uma grande discrepância. Até se você for comprar um celular bom para ser seu equipamento, é caríssimo um iPhone, por exemplo. Não é todo mundo que consegue ter. Por isso eu vejo o meu trabalho e o corpo negro como uma forma de resistência”, afirma. 

Assim como Rafael e Ana, outros fotógrafos negros se uniram na segunda etapa do projeto “Fotografias por Minas” em uma iniciativa solidária em prol de entidades e grupos sociais de Minas Gerais impactados pelo novo coronavírus. Motivada pelo sucesso da iniciativa, que até o dia 12 de junho havia arrecadado R$ 170 mil com a venda de imagens cedidas por fotógrafas e fotógrafos de todo o Estado, a campanha deu início a uma nova fase. 

O projeto começou convidando profissionais e amantes da fotografia, mineiros ou residentes no Estado, para participar com suas imagens com a temática “Para imaginar um mundo novo”, sem que houvesse qualquer outro tipo de seleção. Ao todo, 321 profissionais atenderam ao chamado e enviaram suas imagens, que estão sendo vendidas a R$ 150 cada uma. Agora, o projeto se abre para um novo momento e estende o prazo, criando nova convocatória direcionada à inclusão, tendo como foco pessoas negras, de origem indígena e LGBTIQs+. 

De acordo com uma das integrantes da organização da campanha, a fotógrafa Amanda Canhestro, na primeira etapa apenas 10% dos profissionais que aderiram à campanha eram negras. “E havia um número ainda menor de indígenas e pessoas LGBTIQs+”, conta. 

Apesar da abertura que foi dada para que qualquer pessoa enviasse uma foto em adesão à campanha, a organização, com sua maioria de pessoas brancas, concluiu que a dificuldade de se atingirem outros setores da sociedade acabou restringindo a divulgação da chamada. “Percebemos que havíamos caído na armadilha das bolhas sociais. A comunicação do projeto não conseguiu ir além de seus círculos mais próximos”, explicou Amanda. 
 
Nesse segundo momento, o projeto abre espaço, até o dia 15 de junho, para receber as novas imagens, que serão automaticamente integradas ao conjunto já existente. A vendas seguem até do dia 3 de julho, mantendo-se o valor de R$ 150 para cada foto, com impressão de alta qualidade e durabilidade em papel fine art no tamanho 20 cm x 30 cm. A compras devem ser feitas no site www.fotografiasporminas.com.br, e as entregas serão feitas pelos Correios até novembro. Há também uma conta no Instagram (@fotografiasporminas) em que diariamente são publicados os trabalhos dos participantes. 

“Foi questionado por que não se faziam etapas para profissionais albinos e gordos, por exemplo. Essas pessoas não estão morrendo, vivemos em um país em que existe racismo estrutural. Pessoas negras são mortas a todo instante, por isso é muito importante ter iniciativas como essa, é como se pagasse uma dívida social. O que eu digo sobre a nossa luta é que estamos vivendo um momento de plantio, vamos colher daqui a um tempo todo o esforço de quem está na luta agora”, avalia a fotógrafa Ana Barros.

Projeto
A campanha “Fotografias por Minas” reúne grupo de fotógrafas e fotógrafos mineiros numa iniciativa solidária em prol de entidades e grupos sociais impactados pelo novo coronavírus. As cópias/prints fine art de fotografias autorais serão ilimitadas, pelo tempo que durar a campanha. As doações poderão ser feitas no site www.fotografiasporminas.com.br. O valor arrecadado, depois de serem descontados custos de impressão e logística, será destinado a projetos sociais mineiros. 

A atual meta é arrecadar R$ 210 mil, que será dividido entre as entidades: povo Pataxó Hãhãhãe (Belo Horizonte), povo indígena Xakriabá (São João das Missões), Cio da Terra, Albergue Santo Antônio (São João del Rei), Comunidade Quilombola Vazanteira de Caraíbas (Pedra de Maria da Cruz), Comunidade Quilombola São Geraldo (Coração de Jesus). 

De acordo com a organização, as entidades que receberão o repasse ao final da campanha foram escolhidas seguindo-se critérios de visibilidade reduzida, falta de apoio, urgência em suas carências e diversidade de causas. A quantia arrecadada não será repassada em dinheiro, mas na forma de suprimentos necessários para cada instituição, conforme suas próprias indicações. Caso a segunda meta seja batida, o grupo está estudando a possibilidade de novos apoios a mais entidade

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