TELEVISÃO

Des-re-construindo o amor 

Nova série Amores Livres, que estreia no GNT nesta quarta (5), apresenta relacionamentos que derrubam ditadura da monogamia a dois

Por Daniel Oliveira
Publicado em 03 de agosto de 2015 | 03:00
 
 
 
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É uma das narrativas mais antigas, e uma das principais sustentadoras, da nossa civilização: garoto encontra garota. Garoto se apaixona por garota. Eles se casam. Têm filhos. Morrem.

Mas e se não for mais bem assim? E se o garoto se apaixona pela garota, e os dois se apaixonam por outro garoto? Ou outra garota? Ou outras pessoas? São essas questões que a série “Amores Livres” tenta responder a partir desta quarta-feira, às 22h30, no GNT. O programa, com dez episódios, apresenta pessoas em todo o Brasil que vivem o “poliamor”: relacionamentos a três, a quatro, uniões abertas ou qualquer outra forma que reconfigura a ditadura da monogamia a dois.

“Não é uma provocação. É algo natural que está acontecendo e precisa ser documentado”, pontua o diretor da série, João Jardim (responsável por longas como “Getúlio” e “Janela da Alma”). Ele ressalta que o programa não possui um narrador, um discurso. São apenas pessoas contando como encontraram outras maneiras de se relacionar e encenar o amor romântico. “O ‘boy meets girl’ vai valer sempre. O que existe hoje são outras possibilidades além dessa”, avalia.

Essa necessidade de manter vivo o amor, e o relacionamento, como cerne dessa busca é o que mais surpreendeu Jardim durante a realização de “Amores Livres”. Se no início do projeto, eles esperavam encontrar sujeitos primordialmente guiados pelo desejo de transar com várias pessoas, o que a equipe descobriu é que essas novas configurações surgem exatamente do desejo e da dificuldade de se manter uma relação a dois.

“O que nós encontramos são pessoas que não queriam trair, ser traídas nem abandonadas. Então, começaram a explorar novas possibilidades para que aquela relação inicial, que é importante, tenha mais chances de durar”, ele explica. É o caso do primeiro episódio, com os músicos gaúchos Bardo e Fada, juntos há mais de dez anos e com dois filhos. Um dia, ele chegou para ela e disparou “eu te amo, não quero perder você, mas eu preciso transar com outra pessoa e quero que você explore isso junto comigo”. Os dois eventualmente se apaixonaram por Aline, com quem vivem hoje “uma relação a três, três relações a dois e três relações a um”, como eles descrevem – ou um “trisal”.

“O que não existe hoje é aquela ilusão de que o amor, se muito forte, é eterno. Eles sabem que você vai amar várias pessoas durante a vida, eternamente talvez, mas de maneiras diferentes durante essa eternidade”, descreve Jardim.

Outra expectativa do diretor que foi subvertida no processo é a ideia de que se trataria de um universo machista. A antiga ideia do “harém” e do homem em busca de ménages e de se afirmar como “garanhão” não é bem o que acontece nessas histórias. “É um movimento que parte muito da mulher. O homem sempre foi muito propenso a trair, ter outras mulheres, era algo ‘aceitável’. Agora, a mulher também está querendo legitimar sua liberdade, sem que isso seja criticado ou mal visto”, argumenta.

Assim, se no episódio inicial Bardo se gaba de ter passado “seis meses fazendo ménage todo dia”, Fada também não hesita em afirmar que “adora sexo” – o que pode parecer bobo, mas num país ainda opressivamente machista, é algo quase revolucionário de ver dito em um programa de TV. “Se isso é ser puta, sou putamente feliz”, ela pontua, categoricamente.

E por mais que Jardim defenda que isso não é uma provocação, “Amores Livres” – especialmente vindo na esteira das séries “Novas Famílias” e “Família É Família”, que ele também dirigiu para o GNT – ganha um caráter inevitavelmente político, diante do rolo compressor conservador com que o Congresso vem atropelando o país. Responder a esse cenário, porém, não é uma preocupação do diretor, porque ele não acredita nesse chamado “retrocesso”. “Acho que o Eduardo Cunha é uma reação natural a um avanço. E eu não acho que vai se impor porque a transformação na sociedade está aí, e as pessoas vão continuar fazendo, ele queira ou não”, argumenta.

Ainda assim, ele reconhece o impacto de um programa assim no Brasil, em que o principal meio de comunicação, a televisão, é conservadora porque reflete uma sociedade conservadora. E foi exatamente a necessidade de legitimar essas novas formas de amor nesse ambiente hostil o argumento que Jardim usou para convencer seus personagens a lhe confiarem uma parte tão importante e delicada de suas vidas.

“A TV é uma vitrine, mas é também uma vidraça que a gente tem que usar com muito cuidado porque a chance de levar pedrada é muito grande. E eu tenho que me garantir de que não vou levar, e especialmente as pessoas que estão se expondo também não vão. Porque a opção deles pode não ser para todos, mas eles não têm que sofrer um estigma por causa disso”, avalia.

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