A impossível história de amor entre dois jovens já foi encenada centenas de vezes, mas, em março deste ano, ganhou uma adaptação peculiar. A montagem de Guilherme Leme Garcia para “Romeu e Julieta”, clássico de William Shakespeare, se baseou em 25 canções do repertório de Marisa Monte, 51. Foi assistindo à peça que Carlinhos Brown, 55, chegou a uma conclusão reveladora.

“Percebi o quanto a Marisa tem de Chiquinha Gonzaga, da força da mulher na música popular brasileira”, exalta. Coincidentemente, Chiquinha chegou a escrever uma partitura para “Romeu e Julieta” em 1921, mas que nunca chegou ao palco. “Marisa é para a gente o que a Rita (Lee) foi para Os Mutantes, a Baby (do Brasil) para os Novos Baianos e a Nara (Leão) para toda a bossa nova”, completa Brown.

Marisa agradece pela gentileza e devolve. “Somos um jogador de três pernas. Outro dia alguém chamou a nossa atenção de que não tem aquilo de cada um cantar sua parte, nós cantamos juntos o tempo todo, a uma só voz com o público, é uma integração total”, afiança Marisa. O terceiro elemento do trio é quem dá o último retoque.

“Independentemente de ser trio ou dupla, existe uma tradição na música popular brasileira de comunhão, de espírito gregário, que vai de Tom (Jobim) e Vinicius (de Moraes) a Rita Lee e (Gilberto) Gil, passando pelo Clube da Esquina, até Chico (Buarque) e Caetano (Veloso). A gente, de certa forma, está seguindo essa tradição”, arremata Arnaldo Antunes, 58.

Hoje, eles fazem show pela primeira vez em Belo Horizonte com Tribalistas, na penúltima apresentação da turnê no Brasil. Haverá uma sessão extra no Rio antes do embarque para a Europa, onde eles batem ponto em Portugal, Alemanha, Inglaterra e outros países. Quando lançaram o primeiro disco, em 2002, cujo título homônimo ao de 2017 trazia apenas o nome do grupo na capa, não houve shows.

“A gente já tinha tocado em estúdio, sala, varanda, mas show, nunca. Era um sonho antigo que antes não se realizou porque a Marisa tinha acabado de ganhar neném”, justifica Antunes. Com 53 músicas compostas nessa parceria tripla, iniciada há quase três décadas, eles decidiram priorizar as 23 canções dos dois álbuns dos Tribalistas, casos da recente “Diáspora”, que versa sobre o drama dos refugiados, e os sucessos “Velha Infância” e “Vilarejo”.

Apesar disso, músicas que foram gravadas apenas por Marisa, como “Água Também É Mar” e “Não É Fácil”, além de “Sem Você”, registrada só por Arnaldo, também comparecem. “Esse universo de canções esclarece para o público uma curva de tempo na nossa história, porque a gente nunca parou de trabalhar juntos”, declara Marisa.

Brown aproveita para exaltar o processo coletivo dessa seleção, negando qualquer atrito entre o trio. “Sou da cultura negra e acredito na miscigenação. Muitas vezes a poesia precisa do ridículo, da verborragia, e para isso ser filtrado a junção de gostos é fundamental”, acredita. “Vejo o Arnaldo como uma encarnação de todos os índios com italianos e árabes, e a Marisa é esse mouro português mediterrâneo”, compara Brown.

Ironicamente, o espaço geográfico os afasta. Atualmente, cada um mora em sua cidade natal. Arnaldo, em São Paulo; Marisa, no Rio; e Brown, em Salvador. Sem garantir a continuidade da trilogia, eles comemoram o sucesso da safra atual. “Rapidinho as pessoas aprenderam as músicas novas”, finaliza Marisa.

 

Incêndio em museu e descaso comovem

O incêndio que devastou o Museu Nacional no último domingo (2), na cidade do Rio de Janeiro, gerou uma comoção em todo o país, e com os músicos do Tribalistas não foi diferente. “Acordamos sob esse impacto, e fico contente de a gente da banda estar fazendo algo pela cultura, porque sentimos que atualmente há um descaso muito grande”, critica Arnaldo Antunes. A preocupação do cantor vem de longe; ele lembra que desde os tempos dos Titãs falava sobre essa temática.

“Na música ‘Comida’ (1987) eu já dizia que a cultura é tão importante como a agricultura, a indústria, a economia, essas coisas”, ressalta. Em julho, Antunes foi um dos artistas que conclamou o povo a participar do Festival Lula Livre na capital carioca. Decepcionado com a política, ele não abre mão da esperança. “É um paradoxo, porque, no nosso último show, tinha 12 mil pessoas, temos que nos juntar em prol desses interesses tão essenciais e dar uma saída para o Brasil”, conclui.

Serviço

Show dos Tribalistas, hoje, às 21h, na Esplanada do Mineirão (av. Abrahão Caram, 1.001). De R$ 80 (meia) a R$ 400 (camarote)