Música

Encontro de um artista consigo

Antonio Carlos Tatau lança seu primeiro disco após uma vida de criações ao lado de nomes como João Gilberto


Publicado em 07 de julho de 2017 | 03:00
 
 
 
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RIO DE JANEIRO. Como muitos que estavam por aqui em 1958, Antonio Carlos Tatau lembra a impressão que causou nele ouvir o violão e o canto de João Gilberto em “Chega de Saudade”. A diferença para esses muitos é que ele tinha apenas 2 anos. Agora, aos 61, Tatau lança seu disco de estreia, “A Lida dos Anos” (Joia Moderna), mostrando que as marcas daquele João ouvido em seus primeiros anos ficou, a despeito da personalidade e da beleza própria de sua voz e de sua composição. Assim como outras marcas da infância – e de João, de quem tornou-se amigo na década de 1980 e com quem chegou a tocar e cantar em seu sítio, em Juazeiro, terra de ambos.

“Meu pai foi morar em Juazeiro em 1952, então acompanhou João Gilberto em tempo real, desde sempre ouvia em casa. Quando nasci, estava nesse ambiente. Ouvíamos muito João, e também Caymmi, Noel, Ataulfo... E minha mãe tocava acordeom, quando percebi eu estava com o violão na mão, foi muito natural”, conta Tatau, sem querer citando o verso de “Desafinado”.

No disco, Tatau soa como um segredo (dos terreiros, das esquinas, dos sertões) da Bahia, guardado por décadas somente para iniciados. Entre esses iniciados, o mais ilustre é o próprio João, que recentemente disse a amigos em Juazeiro, depois de ter tido contato com “A Lida dos Anos”, que “Tatau tem uma voz quieta, canta bonito”.

“João me foi apresentado por um parceiro, Euvaldo Macedo Filho (que assina com Tatau e Marcos Roriz a “Canção pra João”, gravada no disco), em 1981, 1982. Depois nos encontramos em Juazeiro algumas vezes, em encontros memoráveis no sítio. E em Salvador também, além de nos falarmos por telefone. Ele é uma pessoa de uma sensibilidade enorme, muito doce. Conversar com ele é uma casa cheia, no sentido de preenchimento da conversa de afago”, conta o artista.

Hermeto Pascoal também esteve no sítio do compositor algumas vezes (“Fizemos um som juntos nessas oportunidades, tive o prazer de viajar musicalmente com ele”, conta o artista). Assim como Zé Celso Martinez Corrêa, Tuzé de Abreu e Luiz Galvão, dos Novos Baianos. Ronaldo Bastos é parceiro em “Um Bolero a Mais”, uma das canções do disco. Ederaldo Gentil (tio de Tatau e autor de “O Ouro e a Madeira”, clássico na voz de Beth Carvalho) gravou sua “Peleja do Bem” em 1976. Batatinha, outro mestre do samba baiano, também cantou uma de suas canções no palco.

A estreia é tardia, mas Tatau começou a compor cedo, “aos 10, 11 anos”, sempre as melodias – que ganhavam versos de Théa Lúcia, até hoje sua parceira musical. Já nos anos 70, seu grupo Exodus chegou a acompanhar Caetano Veloso numa passagem do cantor por Juazeiro. Sozinho, ele ganhou o V Festival São-Franciscano da Canção. Até que em 1976 se afastou da carreira artística. Sua música ficou maturando, sob a tranquilidade baiana, desde então – até sair das gavetas agora por iniciativa do produtor, músico e compositor Luisão Pereira (ex-Dois em Um), seu irmão.

Luisão é o responsável pela sonoridade do disco, que tem a voz e o violão de Tatau como centro. Em torno deles, orbitam com elegância e frescor contemporâneo as intervenções de músicos jovens como Zé Manoel, Gustavo Ruiz e Régis Damasceno. Programações eletrônicas e arranjos de cordas e sopros seguem na mesma dinâmica de delicadeza e sutil surpresa.

“É um cara de Juazeiro de 61 anos, mas não queria que por isso o disco soasse conservador. Mas ao mesmo tempo não fazia sentido o álbum ser moderninho demais. Então a primeira pessoa que chamei foi o Zé Manoel. Ele e Tatau conversam muito bem na ideia da simplicidade, da coisa certa na hora certa”, conta Luisão, referindo-se ao artista que tem chamado a atenção exatamente pela beleza clássica e ao mesmo tempo nova de suas músicas. 

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