Na última década, cerca de 30 mil escolas rurais foram fechadas no Brasil. O dado, para a artista goiana Cacá Fonseca, revela um movimento preocupante e que reflete, entre outros aspectos, o aprofundamento da precarização da educação pública no país. Motivada pela intenção de provocar discussões sobre o impacto e os disparadores disso, ela, ao lado do arquiteto Pedro Britto, concebeu o projeto “Expedição Catástrofe: Por Uma Arqueologia da Ignorância”, que está em processo.

A proposta, contemplado pelo edital 2015-2016 do programa Rumos do Itaú Cultural, prevê uma série de ações, entre elas viagens a diferentes regiões de Estados em que houve um número maior de escolas desativadas. São eles, Minas Gerais, Goiás e Bahia. A partir de um amplo trabalho de campo, organizado por três equipes, a ideia é, em seguida, criar uma mostra coletiva e um livro.

Essas expedições vêm sendo realizadas desde o ano passado e participam delas os artistas Alexandre Campos, Pablo Lobato e Renata Marquez, que ficaram responsáveis por percorrer as cidades mineiras. Cacá Fonseca, Filipe Britto, Glayson Arcanjo e Pedro Britto estão circulando por Goiás, e Laura Castro, Ícaro Lira e Yuri Firmeza estiveram recentemente no Sul da Bahia.

“A gente está dividido, basicamente, em três micro-expedições. Além desses Estados, estamos também promovendo uma articulação com o Ceará. O Ícaro Lira, a Laura Castro e o Yuri Firmeza já fizeram uma primeira saída e visitaram o litoral Sul da Bahia, principalmente a região em torno de Cumuruxatiba. Em Goiás, nós estamos seguindo agora em direção a duas cidades, Goiás Velho e Cavalcante”, afirma Fonseca, que saiu na última sexta-feira decidida a permanecer 13 dias na estrada.

De acordo com ela, esses dois municípios representam “um ponto fora da curva”, porque possuem uma condição diversa da maioria das cidades analisadas. “Todos os outros lugares possuíam no máximo sete escolas rurais. Nessas duas cidades, havia mais de 20 e desse total cerca de 14 foram fechadas. O que a gente quer é ficar um tempo por lá para ir descobrindo o que aconteceu nesses espaços. Talvez o que se deu por lá pode também explicar a situação de outras cidades”, completa a artista.

Ela conta que a escolha dos nomes convidados para fazer parte da iniciativa foi, principalmente, guiada pelos interesses compartilhados pelos artistas. “Nós começamos a mobilizar uma rede de pessoas que conhecíamos por meio de outros trabalhos e da experiência com essas questões. A Renata Marquez, que é uma pessoa com quem já trabalhei anteriormente, tem uma leitura de espaço e território muito interessante. Pablo Lobato tem um filme, ‘Acidente’, que para mim é uma expedição. O Yuri, em suas pesquisas, lida muito com a noção de ruína, escombros, e o Ícaro, por sua vez, tem uma obra ‘Desterro’, que é fruto de uma expedição por Canudos, que relaciona antropologia e ficção”, detalha.

Além das afinidades, Fonseca observa como os grupos têm autonomia para lidar com a temática, expressando, assim, diferentes perspectivas. “O Ícaro, a Laura e o Yuri, por exemplo, desdobraram o pretexto do projeto e não ficaram entorno das ruínas de escolas, durante a viagem pela Bahia. Eles se concentraram nas escolas que resistem e são encontradas nas comunidades indígenas, quilombolas e naquelas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Dessa forma, nós estamos lidando com o confrontamento dessas duas situações. De um lado os escombros, do outro a resistência”, sublinha a artista.

FOTO: Filipe Britto/reprodução
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Processos. Artistas se dividiram em grupos para visitar cidades de Minas Gerais, Goiás e Bahia, onde realizam diversos registros


Reflexões

Esvaziamento do campo como um projeto político

Embora as atividades que permeiam o projeto “Expedição Catástrofe: Por uma Arqueologia da Ignorância” estejam em andamento e possam acrescentar novas reflexões sobre o fechamento em série de escolas rurais no Brasil, Cacá Fonseca, desde o início, identifica fatores políticos como uma das principais causas dessa realidade.

“A gente está entendendo que há um projeto político que provoca isso, e ele está muito calcado nessa prática da agricultura como commodity. Isso significa que há um planejamento de esvaziamento do campo, por meio de sua mecanização e dos processo de industrialização que vem se intensificando nos últimos dez anos. Para ocorrer essa expansão, é interessante que não haja pessoas nem movimentos sociais atuantes ali”, afirma ela, que, frisa o papel das escolas nesse cenário.

“Aquelas comunidades que conseguem resistir no campo tem alcançado isso justamente por meio da manutenção de suas escolas”, pontua ela, que ressalta, também, como o outro lado opera deixando um rastro de destruição. “A gente, em Goiás, fez uma saída e se deparou com escolas que não estão apenas paralisadas nem desativadas, mas demolidas para que, caso houvesse o interesse da população, elas não tivessem como manter qualquer atividade ali, inviabilizando a existência de um espaço físico. Há várias gradações desse processo que a visita a esses lugares vai revelar”.

Ao comentar sobre essa busca por algumas respostas, Fonseca ressalta que o objetivo final não é criar um relatório nem uma pesquisa de viés científico, mas dar visibilidade a algo distante da maior parte da sociedade. “A gente parte de dados estatísticos, mas não temos compromisso com a ciência nem queremos comprovar nada. O nosso interesse é tornar visível, escavar e se relacionar com processos muitas vezes invisibilizados de forma premeditada, porque a sua invisibilidade contribui para que sejam enfraquecidos os movimentos sociais e rurais no Brasil, entre outras formas de resistência”, reflete.

“A ideia do projeto é trazer essa discussão para o campo do sensível, realizando também uma documentação que permita uma sensibilização maior para o que está acontecendo. Como pode num país de analfabetos, como o Brasil, serem fechadas oito escolas rurais por dia?”, questiona ela.

Para o artista mineiro Pablo Lobato, o potencial dessa iniciativa se sustenta na capacidade de conectar uma relevância política e artística. “Eu acho que esse é um assunto que interessa a muitos. Esses espaços estão completamente esquecidos. Você vê apenas uma ou outra pessoa levantando dados sobre isso”, ressalta.

“Eu estou animadíssimo em trabalhar nesse projeto. Eu estive três meses atrás na Coreia do Sul, então estou retornando agora aos escritos, relendo algumas coisas antes de fazer uma próxima viagem neste mês. No ano passado, fomos a Sabará. São essas visitas que vão modular a experiência e vão permitir a construção desse inventário que a gente quer criar”, completa Lobato.


Saiba mais

Outras informações, como textos, fotos e vídeos ligados ao projeto podem ser acessados no endereço: expedicaocatastrofeblog.wordpress.com