Cinema

'Fé e Fúria' discute polaridade social a partir da intolerância religiosa

Documentário de Marcos Pimentel, filmado em BH e no Rio, mostra o estrangulamento das religiões de matizes africanas e a ascensão das igrejas evangélicas

Por Etienne Jacintho
Publicado em 11 de dezembro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Em tempos de polaridade política e ideológica, a identidade social, cultural, racial e religiosa de um país miscigenado está sob risco de extinção. Com o olhar voltado para a questão da perseguição a religiões de matrizes africanas, o documentarista Marcos Pimentel se viu diante de algo ainda mais amplo, que emerge com a ascensão das igrejas evangélicas em comunidades periféricas e favelas. A partir de entrevistas e pesquisas, o cineasta, cuja obra é marcada pela força das imagens, sentiu a necessidade de priorizar a fala e dar voz aos personagens que compõem “Fé e Fúria”, documentário filmado em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, que está em exibição quinta (12), no Festival do Rio. 

O longa, cuja produção teve início em 2016, surgiu de uma notícia sobre um terreiro de umbanda que havia sido quebrado no Rio, com líderes ameaçados sob ordem de não tocarem mais seus atabaques nem manifestarem sua fé. “Tudo isso aconteceu, porque os chefões do morro não eram mais simpatizantes das religiões de matrizes africanas”, conta Pimentel. “E isso chamou minha atenção, porque eu achava que havia proximidade dos chefões com essas religiões que sempre tiveram espaço nas favelas, onde há uma população negra grande”. Assim, Pimentel percebeu que a mudança de comportamento veio com a troca da religião do chefe do tráfico.

“Fé e Fúria” acompanha personagens nos terreiros e nos templos evangélicos, além de entrevistar ex-traficantes e membros de facções criminosas. Ao coletar esses depoimentos e histórias, o diretor mostra que a intolerância religiosa é só um reflexo desse conservadorismo exacerbado dos dias de hoje e do racismo mal resolvido do Brasil. “O filme mostra que a religião virou briga de território. O que o pastor vê como força do mal (os terreiros), ele quer eliminar”, diz Pimentel. “O filme parte do micro para chegar ao macro. Começa ali com uma briga de vizinhos para chegar na política nacional”. 

Longa foi filmado nas periferias de BH e do Rio 

“Fé e Fúria” tem foco nas periferias. Todos os personagens acompanhados pela câmera têm seu cotidiano em comunidades do Rio, como a Vila Cruzeiro e o Complexo da Penha; e de Belo Horizonte, como o Aglomerado da Serra, Goiânia, Morro do Papagaio, Primeiro de Maio e Santa Luzia. Mais do que apenas filmar nessas localidades, o longa traz depoimentos de traficantes e membros de facções criminosas. “Foi difícil conseguir acesso, mas fizemos contatos com jornalistas, gente das comunidades e, na hora de filmar, foi um pouco tenso, mas rico”, diz o produtor Leo Ayres.

Filme será exibido no Festival do Rio

Depois de estrear no maior festival de documentários do mundo, em Amsterdã, há duas semanas, “Fé e Fúria” chega nesta quinta (12) ao Brasil, com exibição do Festival do Rio. Segundo o diretor Marcos Pimentel, há uma mobilização de adeptos de religiões de matrizes africanas para estar nas sessões. O longa foi bem recebido no exterior e, só na semana passada, recebeu 12 convites para estar em outros festivais pelo mundo. 

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