Três dias antes de embarcar para o Japão, onde permaneceria por cinco anos atuando como correspondente da editora Abril, a partir de 1992, o jornalista e escritor mineiro Marco Lacerda foi atacado por dois homens que invadiram sua casa, em São Paulo, e o mantiveram amarrado por três horas. Nesse intervalo, levaram seus pertences e o ameaçaram de morte. Naquele momento, ele conta ter tido certeza de que iria morrer.

Foi dessa experiência traumática que nasceu seu terceiro romance, “As Flores do Jardim da Nossa Casa”, publicado no Brasil em 2008. Agora a ficção sai também em Portugal, pela Chiado Books, o que motivou o relançamento do título em Belo Horizonte, a ser realizado nesta sexta-feira (23), na Escola Superior Dom Helder Câmara.

“Essa história ficou atravessada na minha goela durante anos. Eu me sentava para escrever um outro livro e só me vinha essa história, que, de tanto ficar reprimida, acabou se impondo”, relata Lacerda.

Em 2008, “As Flores do Jardim da Nossa Casa” ficou entre os dez finalistas do prêmio Jabuti na categoria romance e recebeu elogios da crítica. A história, que o autor descreve como “uma autobiografia não autorizada”, narra a armadilha criada por um garoto de programa para o narrador, depois de uma tórrida noite de sexo entre eles. É o jovem quem facilita a entrada dos ladrões na casa do personagem, que, enquanto está amarrado, vê um filme correr sua mente, desde a infância até o contexto opressor do período da ditadura.

A violência praticada contra o protagonista espelha aquela infligida à Lacerda, no ataque sofrido por ele em seu domicílio. Mas o autor alerta que a narrativa não tem viés jornalístico. “No livro há fatos exatamente como aconteceram na minha vida, mas ele também tem ficção. O resultado não é um relato jornalístico ou um documentário. As pessoas mais próximas de mim e até alguns parentes, ao lerem as páginas, podem reconhecer nitidamente do que estou falando, mas os personagens mudam de nome, de cara, de lugar”, afirma Lacerda.

Ele também observa que a narrativa não se restringe à abordagem de um caso isolado e dispara um olhar crítico sobre o próprio o Brasil. “O livro é sobre violência, preconceito, corrupção e traição política. Isso tudo não deixa de ser o arroz com feijão do nosso dia a dia e permeia toda a história do Brasil, desde a colonização. Então, nesse microcosmo, nós podemos enxergar um Brasil inteiro na ficção”, diz o autor.

Título de Lacerda inspira adaptação

Outra obra também conhecida de Marco Lacerda é “Favela High-Tech” (1993), escrita por ele durante o período em que viveu no Japão. Mistura de ficção e reportagem, o best-seller foi adaptado para o cinema pela produtora Gullane Filmes, dos irmãos Caio e Fabiano Gullane, e em breve o longa deve entrar em fase de produção.

“O roteiro já está concluído e foi concebido por um britânico. O nome do filme será ‘Neon River’, e a história passou por modificações, mas está magistral”, diz Lacerda. “Favela High-Tech” aborda o cenário da prostituição em Tóquio, onde imigrantes brasileiros descendentes de japoneses acabavam encontrando função. “O livro trata dos decasséguis, como são chamados esses imigrantes, que, apesar da descendência direta, apenas por não saberem japonês são discriminados”, relata.

Agenda

O quê. Marco Lacerda relança “As Flores do Jardim da Nossa Casa”

Quando. Nesta sexta-feira (23), às 18h

Onde. Escola Superior Dom Helder Câmara (rua Álvares Maciel, 628, Santa Efigênia)

Quanto. Entrada franca