Dois filmes que estreiam nos cinemas nesta quinta-feira (15) são histórias (mais ou menos) reais, cujo principal alicerce é a relação disfuncional entre mãe e filha. “Lady Bird: A Hora de Voar” não é autobiográfico, mas é inspirado no último ano de colegial da roteirista e diretora Greta Gerwig, em 2002, e sua relação contenciosa com a mãe. E “Eu, Tonya” conta a história da patinadora artística Tonya Harding (Margot Robbie), que, nos anos 90, foi acusada de planejar um ataque contra Nancy Kerrigan, sua rival no time dos Estados Unidos.

E a grande ironia é que, dos dois, aquele que se assume declaradamente como ficção – “Lady Bird” – acaba soando mais verdadeiro. O filme de Gerwig acompanha a adolescente Christine McPherson (Saoirse Ronan), que se rebatiza Lady Bird e sonha em fazer faculdade em Nova York. Ela quer voar, mas mal formou suas asas. Então, para se arriscar, precisa de uma sólida rede de segurança. E essa rede é sua mãe, Marion (Laurie Metcalf) – terrena, realista, pragmática, segura.

Mas, aos 17 anos, nenhum adolescente entende isso – Lady Bird acha que a mãe não acredita nela, é castradora e careta. E esse olhar honesto e nada idealizado da diretora sobre as limitações e os infortúnios de sua protagonista é o maior trunfo do longa.

“Lady Bird” é um filme sobre uma mulher em processo de construção: a personagem tenta ser artística, popular, rebelde, comportada. E em nenhum desses aspectos ela se destaca ou é especial, porque ainda não sabe quem é. Assim como Alanis Morissette, ela está “perdida, mas esperançosa” de que vai dar tudo certo.

E algo que pode frustrar o espectador é que, no final, a protagonista não descobre todas as respostas – mas sim que esse processo de tentativa e erro é o que importa. É sua história sendo escrita – e os 18 anos não são uma linha de chegada, mas apenas o começo da corrida (“Lady Bird” tem uma sequência clara, “Frances Ha”, que Gerwig também escreveu).

É a consciência que a diretora tem disso e seu olhar clínico e carinhoso para os mínimos detalhes do que era ser uma estudante secundarista num colégio de freiras em 2002 – a trilha com Alanis, Justin e Dave Matthews, o catolicismo como referência moral a ser desafiada, as agruras econômicas da família de classe média, a sombra do 11 de setembro recente, as experiências sexuais ruins – que fazem do filme um retrato tão autêntico de uma época no tempo e um momento na vida. Algo que pode parecer, mas não é nada simples de fazer.

Pós-verdade. Se Gerwig enxerga na ordinariedade de “Lady Bird” aquilo que a torna tão especial, o roteirista Steven Rogers segue a direção oposta em “Eu, Tonya”. Seu roteiro parte da premissa de que Tonya Harding era uma atleta excepcional, vítima de um ambiente tóxico e violento. E esse acaba sendo o grande problema do filme: para defender a inocência da patinadora no incidente com Nancy Kerrigan, ele a retrata como uma mera vítima de sua história.

Em seus erros e tropeços, Lady Bird é o tempo inteiro protagonista, agente de sua vida. Já Tonya é uma mártir, sem agência, dos monstros a seu redor. O que é ainda mais complicado quando se leva em conta do que ela foi vítima: violência doméstica. Primeiro, da mãe LaVona (Allison Janney); depois, do marido, Jeff (Sebastian Stan).

O diretor Craig Gillespie (“Horas Decisivas”) constrói seu longa no contraste entre a graça de Tonya no gelo e a desgraça de sua vida fora dele – estratégia comum em filmes esportivos, de “Touro Indomável” (Scorsese é uma referência na trilha roqueira onipresente) a “Menina de Ouro”. O diferencial aqui é que o cineasta tenta explorar o aspecto cômico disso. E transforma o abuso doméstico em uma gag do longa. O que funciona, porque sua direção e o elenco vendem o tom proposto (especialmente Allison, perfeita como uma mãe de miss sem limites morais), assim como o timing da montagem indicada ao Oscar de Tatiana Riegel, intercalando comentários dos personagens numa espécie de falso documentário – que ajuda a história a fugir do dramalhão. Mas é moralmente incômodo e, no mínimo, irresponsável.

Em uma dessas intervenções, Tonya quebra a quarta parede e afirma que, após o incidente com Nancy, a curiosidade do público fez do mesmo seu novo agressor. Mas nesse sentido, o filme – e seu tom debochado, tratando os personagens como uma versão cômica exagerada do “white trash” norte-americano – é também mais uma agressão.

“Eu, Tonya” usa ainda as entrevistas para ilustrar que existem muitas versões da mesma história – e que, no mundo de “fatos alternativos”, “não existe verdade, mas verdades”. Uma perspectiva nunca ouvida, porém, é a da vítima Nancy Kerrigan. Ela é uma não presença no filme, o que permite o retrato da protagonista como um prodígio injustiçado pela vida, e não como alguém que, talvez ameaçada pela adversária, tomou uma decisão equivocada. Com isso, o roteiro absolve Tonya de seus pecados, mas faz dela – e do longa – bem menos interessante do que alguém capaz de olhar no espelho e admitir seus próprios erros. No filme de Gillespie, é melhor ser vítima das circunstâncias do que autora de seu próprio desastre.