O alarde em torno do lançamento do disco de inéditas de Sabotage se justifica porque, 13 anos depois de sua morte, ele permanece como um dos nomes mais influentes do hip hop no Brasil, ao lado de Racionais MCs, Thaíde & DJ Hum, Marcelo D2 e Emicida. Uma prova de que a música de Sabotage segue viva e pulsante foi o festival “Vai Tomando Sabotage”, realizado em março deste ano, na Serraria Souza Pinto. O evento reuniu diversas manifestações e linguagens da cultura hip hop, desde shows e performances a vídeo mapping, exposições, exibição de filmes, campeonato de skate e intervenções de grafite. Apresentações de Sandrão e DJ Cia, do grupo RZO, e Sombra, do SNJ, além da Família Sobotage, formada pelos filhos do homenageado, e da Família de Rua, responsável pela realização do Duelo de MCs, estiveram entre as atrações do festival, que também contou com a exibição do documentário “Sabotage: Maestro do Canão”, de Ivan Vale Ferreira.
O legado de Sabotage para as gerações posteriores vai além da música, conforme aponta o rapper Roger Deff, integrante do grupo Julgamento e que também desenvolve carreira solo. Ele considera que a postura de Sabotage ajudou a quebrar alguns paradigmas e romper com alguns preconceitos, na medida em que ele deixava um pouco de lado a sisudez comum ao cenário hip hop do início da década passada e se dispunha ao diálogo com as mais diversas frentes.
“O Sabotage foi um artista diferenciado dentro do rap por várias razões, mas acho que a principal era a visão que ele tinha das coisas, de conseguir ver o estilo inserido, sem ter que fazer concessões pra isso. Ao mesmo tempo, seu jeito de fazer rap trazia uma certa liberdade. Ele narrava as mazelas também, nunca deixou de fazer isso, mas apresentava uma forma de escrita e de ‘flow’ muito únicas, longe de qualquer padrão”, aponta. Roger identifica a influência que Sabotage ainda exerce sobre a atual cena e admite que o seu próprio trabalho deve muito ao Maestro do Canão. “Eu tive a oportunidade de conversar com ele, antes de ele lançar o disco que o consagrou, e era um cara com um olhar muito atento a tudo, que entendia, já naqueles dias, a importância de nos fortalecermos em rede. Para o rap nacional e para o meu trabalho, tanto solo como com o Julgamento, ele ensinou na prática que as fronteiras não precisam existir. Sabotage, em vida, rompeu todas, e, acredito, deve continuar a fazê-lo com seu disco póstumo”, aponta.
O DJ Cia, responsável pela produção de três faixas do álbum que está sendo lançado hoje – “País da Fome (Homens Animais)”, “Quem Viver Verá” e “Como um Míssil” –, também considera que Sabotage deu uma grande contribuição para o rap nacional ao propor uma maior abertura para o gênero. “Acho que uma coisa muito importante que ele deixou é esse lance de ser comunicativo com a grande mídia. Tinha uns grupos que eram muito reticentes em relação a isso, recuavam. O Sabotage não, ele ia adiante, sem precisar mudar o dialeto dele, o jeito dele, seguia em frente e encarava a mídia com naturalidade. Isso foi uma coisa que ele deixou para as gerações seguintes do rap, ser comunicativo, mesmo com a grande mídia, sem deixar de ser quem você é”, destaca.
As letras que Sabotage deixou registradas foram escritas entre o final dos anos 90 e início dos anos 2000. Naturalmente que o Brasil e o mundo mudaram muito de lá para cá, mas o DJ Cia acredita que as músicas não perdem em termos de atualidade, se aplicam tranquilamente aos dias de hoje e devem chegar aos ouvidos do público com a mesma potência que “Rap É Compromisso” chegou. “O mundo mudou, o Brasil mudou, mas o rap nem tanto, só acontece que hoje existem mais grupos e artistas e, portanto, uma maior variedade de assuntos e levadas. Os temas de que rappers como Sabotage, Dexter e Racionais tratavam, sobre questões político-sociais, isso não mudou muito. A gente fala de roubo, de abordagem policial violenta, continuam havendo mortes na periferia, continua tendo discriminação, quer dizer, o rap que tem esse compromisso com causas sociais, abordando temas que reivindicam melhorias para os menos favorecidos, isso continua aí, atual, porque continua correspondendo à realidade”, aponta.