A certa altura de “Fevereiros”, documentário exibido na noite de domingo (17) na 13ª CineOP, Maria Bethânia afirma que “a música é a língua materna de Deus”. A frase é impactante não só por sintetizar os vários temas e discursos explorados no filme, mas porque pode ser encarada como uma descrição da própria voz “de cobre e água marinha” da cantora baiana, que, mesmo tendo feito carreira interpretando várias canções seculares e, por vezes, profanas, tem um certo enlevo espiritual quase divino, religioso. Bethânia tem uma daquelas vozes que, quando entoa uma nota, Deus parece falar.
É pelo fato de essa conexão entre o divino e o artístico ser tão central na obra dela que, quando decidiu homenageá-la em 2016, a Mangueira fez isso pela chave da religiosidade, com o enredo “Maria Bethânia: a Menina dos Olhos de Oyá”. E, ao saber disso, ainda em julho de 2015, o documentarista Marcio Debellian – que já havia dirigido a cantora em “(O Vento Lá Fora)” – viu a oportunidade para propor a ela um filme que sempre quis fazer: a partir do samba-enredo, falar sobre a relação entre o samba e o candomblé e sobre como o ritmo musical foi resultado da migração negra baiana para o Rio, no início do século XX. “Ela topou na hora, mas disse ‘só não me dê trabalho’, porque estava envolvida com as comemorações de seus 50 anos de carreira e não queria que o compromisso de colaborar com o filme virasse mais uma demanda”, lembra Debellian.
Ainda assim, Bethânia permitiu que ele a registrasse durante as tradicionais celebrações religiosas de Nossa Senhora, no “fevereiro de Santo Amaro”. E, por meio dessas imagens – únicas, íntimas e profundamente humanas – e dos depoimentos da própria cantora e de seus irmãos Caetano e Mabel Veloso, o que o público descobre é a tal “menina dos olhos de Oyá” – uma mulher devota como qualquer outra em sua comunidade, diferente da diva altiva nos palcos.
Ao revelar Bethânia por meio da devoção religiosa, e do sincretismo único entre catolicismo e candomblé do Recôncavo Baiano, o documentário se torna um longa sobre algo que Debellian chama de “ancestralidade”. Nas descrições do ateu Caetano e da cristã Mabel e no fervor com que Bethânia fala daqueles rituais, com uma sinceridade e um orgulho capazes de converter os mais agnósticos, “Fevereiros” é um filme sobre as impressões que a religião e seus ritos nos causam na infância, e o papel formador que isso tem em nossa identidade – e no caso da cantora, em sua música. “Não é um trabalho só de documentarista, porque eu sou de terreiro. Então, quando eu entro numa procissão ou numa casa de santo para filmar, aquilo é muito sagrado e muito importante para mim, e eu falava sobre essa postura com a equipe”, explica o diretor, sobre o respeito e a solenidade com que essas sequências são filmadas.
É só quando essa base religiosa de Santo Amaro está bem consolidada que o longa parte para os bastidores do desfile da Mangueira, campeão do grupo especial em 2016 – quem for esperando um mero making of vai se surpreender. Esse trajeto, por sinal, não é nada por acaso e representa o mesmo percurso dos negros baianos que chegaram ao Rio no início do século XX, cujas práticas do candomblé levaram ao nascimento do samba na cidade. “Ao fazer esse arco histórico, o filme fala, infelizmente, de questões que a gente tem voltado a viver, desde um prefeito evangélico no Rio até ataques a terreiros e gente falando que ‘samba é coisa de bandido’ – coisas superadas que reaparecem numa outra face”, comenta Debellian.
Para além do discurso de tolerância, porém, o que esse arco dramático faz é traçar uma linha direta do arrebatamento religioso para o arrebatamento musical na Sapucaí. Ele dá um poder especial às imagens no sambódromo – nada fáceis de conseguir, a produção só teve autorização para filmar no desfile das campeãs –, que ganham um caráter quase transcendental no paralelo com as sequências de procissão religiosa do início do filme.
A própria Bethânia parece ter reconhecido isso. Antes de dar sua bênção final ao documentário, ela quis saber qual era o título e ver um corte preliminar. Só depois disso, a cantora concedeu uma entrevista ao diretor em Santo Amaro, em fevereiro de 2017. Última parte do longa a ser filmada, ela costura toda a produção – que estreou no Festival do Rio do ano passado e já rodou festivais mundo afora, como Biarritz, na França, antes de estrear nos cinemas, provavelmente no segundo semestre.
“Ver a Bethânia conviver com aquele universo me permitiu aprender sobre a sabedoria sutil na devoção dela e a proteção que ela tem com isso e com sua família. E espero que o público possa ter essa experiência também”, conclui o diretor.
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