Era a estreia de Angela Ro Ro diante de um grande público, que também foi até lá para ver Rita Lee e Raul Seixas. Mas ficou tudo fora de controle. “Faltou água mineral, o palco desabou, choveu toneladas, foram muitos percalços”, relembra Nelson Motta, 74, idealizador daquele fatídico festival Som, Sol e Surfe, realizado em Saquarema, no litoral do Rio de Janeiro, em 1976.
No mesmo ano, Motta foi convidado pelos donos do shopping da Gávea, inaugurado pouco tempo antes, na zona Sul do Rio, a ocupar, durante o período que antecederia a abertura do Teatro dos Quatro, um espaço no empreendimento. Como quem tira uma frase de autoajuda do bolso, Motta sentencia: “O sucesso nasceu do maior fracasso”.
Começava assim a história da boate que operou uma revolução na música brasileira. A Frenetic Dancin’ Days Discotheque teve apenas quatro meses de vida, o suficiente para acumular episódios e aventuras que são recontados no musical “O Frenético Dancin’ Days”, em cartaz na capital mineira nesta sexta (12) e sábado (13).
“Depois do festival de Saquarema, eu fiquei falido, mas aquilo serviu para me promover como um cara de eventos”, observa Motta, que, além de assinar a dramaturgia da montagem, aparece como personagem. Afinal, ao lado de amigos como Scarlet Moon e Dom Pepe, ele colocou de pé aquele sonho da juventude setentista. “O Dancin’ Days ficou na lembrança das pessoas porque se tornou o ícone colorido de uma época cinzenta”, define. “A boate foi uma glória do começo ao fim, nós acabamos no auge, sem decair”, completa.
Aberta durante a ditadura militar, a danceteria funcionava como “uma ilha de alegria e liberdade”. “As ruas eram hostis e perigosas, como estão agora. Nesse sentido, a peça tem a mesma função que a boate teve. Por duas horas, as pessoas se libertam do ambiente de ódio e intolerância que tomou conta do país”, assegura.
A atriz e dançarina Ariane Souza, 32, concorda. “O espetáculo traz o frescor de uma liberdade que estamos perdendo”. Ela dá vida a Madalena, personagem fictícia que vai de empregada a sócia da boate. No enredo, Ariane ajuda a contar a trajetória do grupo As Frenéticas, na época seis atrizes desempregadas que trabalhavam como garçonetes na boate. “Sempre que se fala de disco music, as pessoas já pensam nas Frenéticas”, afirma Ariane.
Motta corrobora: “Embora seja um musical sobre a discoteca, a maioria acha que é sobre As Frenéticas”. Produzidas pelo próprio Motta, Dhu Moraes, Edyr Duque, Leiloca Neves, Lidoka Martuscelli, Regina Chaves e Sandra Pêra agitaram as pistas nacionais com sucessos como “Perigosa” e “O Preto que Satisfaz” e, ainda, dedicaram um álbum a Lamartine Babo. “As Frenéticas representavam liberdade sexual, alegria, feminismo, deboche e transgressão”, exalta Motta.
Os maiores hits da trupe estão na montagem, que também traz sucessos internacionais como “You Make Me Feel”, “Y.M.C.A.” e “Le Freak”. Outra opção dramatúrgica foi temperar os fatos com doses generosas de fantasia. “Não é nada realista. Eu comecei a escrever a peça por uma pressão da minha filha, Joana, mas achei que estava ficando muito jornalístico, chato, tipo um ‘Globo Repórter’ da disco music”, admite Motta.
Foi pensando em alcançar esse tom lúdico e para se distanciar um pouco da história vivida por ele que Motta convocou, para colaborar com o texto, a roteirista Patrícia Andrade. Outro convite de peso foi feito para a premiada coreógrafa Deborah Colker, que jamais tinha dirigido um musical. “A Deborah quis criar uma concepção brasileira para a peça, misturando teatro de revista, chanchada e escola de samba, sem copiar a Broadway”, conclui Motta.
Serviço
Assista a trecho do musical: