Grande parte do mérito de Maria Augusta Ramos como encenadora e narradora em “O Processo” está em sua capacidade de transformar aquelas pessoas – que nos acostumamos a amar ou odiar nos últimos dois anos – em personagens intrigantes e coerentes. Ela faz isso com a ajuda dos grandes “atores” que tem em mãos, capturando breves momentos, como nas expressões em inglês usadas por José Eduardo Cardozo para orientar sua assessoria jurídica; no silêncio monalísico do senador Antonio Anastasia nas sessões; ou numa visita de “admiradores” recebida por Janaína Paschoal, que deixa claro para os desavisados (especialmente o público estrangeiro) quem ela é. “Muitas pessoas vinham falar com ela, e achei importante documentar para que a entendêssemos da mesma maneira que entendemos os senadores da esquerda. Tudo foi feito com muito cuidado e respeito”, considera a diretora.
Esse olhar por trás da cortina registra ainda momentos reveladores, como quando Gleisi Hoffman afirma – com o processo em pleno andamento no Senado – que seria impossível para o PT retornar ao poder. “Não temos como governar”, diz a senadora. Minutos depois, um de seus colegas faz uma autocrítica que muitos cobraram da esquerda, admitindo os erros cometidos, especialmente em termos de comunicação, que permitiram com que tamanha parte do eleitorado se voltasse contra o governo.
Ainda assim, a cineasta conta que muitos momentos importantes tiveram que ficar de fora, assim como muitos senadores que ela filmou. Foram escolhas difíceis, segundo Maria Augusta, mas resultado de profundas “reflexões éticas, estéticas e formais”, e não políticas. “Não fiz nenhuma concessão ou negociação. Faço um cinema que tem respeito e cuidado com meus personagens, e as pessoas toparam porque têm confiança e conhecem meu trabalho”, esclarece.
E o peso e a responsabilidade desse processo diário de escolhas e decisões de impacto histórico não foi fácil. A diretora conta que a intensidade das filmagens, com dias em que a equipe chegou a trabalhar 24 horas seguidas, e depois conviver com todo esse material durante meses de montagem, “foi duro emocionalmente. A edição foi bem difícil, afetou a minha saúde, e da minha montadora, de forma séria”, admite.
O resultado, ela reconhece, também é doloroso para o público brasileiro. “Vivemos isso muito de perto, e as consequências do processo, com as medidas políticas, sociais e econômicas que foram tomadas depois dele, atingem o espectador daqui de um jeito diferente do lá de fora”, compara. O que não quer dizer que o público estrangeiro não tenha respondido ao documentário – vide os muitos prêmios, de Lisboa a Berlim e Suíça.
“Lá fora, eles ficam muito surpresos com o tom do processo porque a grande mídia lá também reduziu muito e nem todos os lados foram colocados, nem todos os argumentos foram vistos. Mas o que me deixa muito feliz é que as pessoas lá fora têm se identificado com o elemento de universalidade do filme, que são os desafios que a democracia vem enfrentando no mundo todo, com a judicialização da política, a tendência à extrema direita, desde a Europa aos EUA do Trump. O Brasil faz parte do mundo, ele não está sozinho nisso”, avalia.