Se levado em conta o mistério de sua trama, “Os Oito Odiados” pode ser visto como um romance de Agatha Christie. Já ao se pensar que esse mistério é encapsulado em um mesmo espaço fechado, ele tem um certo aspecto teatral. Nas mãos de Quentin Tarantino e do diretor de fotografia Robert Richardson, porém, o filme que estreia nesta quinta mistura todos esses elementos em seu quadro de 70mm, transformando-os em puro cinema – uma grande alegoria que usa imagens para comentar sobre a cultura da violência nos EUA.

No Wyoming pós-guerra civil, a trama acompanha a diligência levando o major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), o caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell) e a criminosa Daisy Domergue (Jennifer Jason-Leigh). Pega por uma nevasca, ela é obrigada a parar no armazém da Minnie, onde eles ficam aprisionados com um grupo de hóspedes bastante suspeito, cada um com uma agenda secreta.

Dentro desse armazém, Tarantino encena um microcosmo do pior lado dos EUA: um país violento, racista, misógino, obcecado por armas e que sempre resolve seus problemas na bala e no sangue. O longa começa com um close de Jesus crucificado, introduzindo um lugar onde Deus está morto. E um dos planos finais enquadra um dos personagens, considerado o mais sanguinolento pelos demais, com duas asas de anjo – e você percebe que ele talvez seja o único que não matou ou não disse matar ninguém durante todo o filme.

Além dessas imagens, Tarantino e Richardson usam o escopo do 70mm para montar uma encenação “em camadas”, que reflete os muitos níveis de leitura da produção. Enquanto a ação principal se desenvolve no primeiro plano, há sempre um outro (ou outros) fazendo algo no fundo ou no canto do quadro, reforçando a ideia de que ha algo mais, subjacente, acontecendo naquele lugar.

A belíssima trilha de Ennio Morricone acentua os traços de cinema de gênero da história, prenunciando o banho de sangue da metade final. E a montagem só peca no quinto capítulo, um flashback que dura 20 desnecessários minutos para explicar algo que o público entendeu em cinco.

É nele também que a narração em off (do próprio Tarantino) se mostra mais presente, só servindo para deixar claro o egocentrismo cada vez maior do cineasta. Seu texto soa bem melhor quando dito por Jackson, no melhor trabalho de sua carreira, ou Walton Goggins, que quase rouba a cena como o novo xerife Chris Mannix. Se no velho oeste os fracos não têm vez, o forte de Tarantino é escrever um texto que torna seus atores invencíveis e imortais. 

Outras estreias

Quem quer fugir dos filmes de Oscar pode se refugiar no Cine 104 com “As Mil e Uma Noites”, de Miguel Gomes, que faz uma crítica hilária do cenário socio-econômico de Portugal hoje. Já se você quer rir com um besteirol menos inteligente, o cinema nacional oferece “Vai que Dá Certo 2”. E como opção para toda a família, a animação “O Bom Dinossauro” foi o primeiro grande fracasso da Pixar na bilheteria dos EUA.