Quando um amigo disse a Filipe Thales que não poderia visitá-lo em casa por medo da falta de segurança no bairro Lagoinha, região Noroeste de Belo Horizonte, o publicitário entendeu que o carimbo que foi colado na região, por alguns chamada pejorativamente de “cracolândia”, tinha que ganhar novas tintas. Explicar às pessoas que a frequência inegável de usuários de drogas pelas ruas do Lagoinha era um resumo injusto do território passou a ser questão de honra para o morador. O primeiro passo era: “Como mostrar para as pessoas a variedade de atrativos que eu sei que o bairro tem?”. Foi assim que ele montou o Viva Lagoinha, um coletivo que trabalha pelo resgate da memória cultural de um dos bairros mais antigos da capital. “Fui estudar sobre coletivos na cidade e decidi que precisava trazer mais gente para cá”, informa.

Longe dali, os artistas Nydia Negromonte e Marcelo Drummond também perceberam que precisavam propor algo que levantasse a moral das pessoas que praticamente carregam a história do Santa Efigênia, na região Leste, nos ombros, especialmente em um pedaço do bairro longe do agito da praça Floriano Peixoto. Assim chegaram à residência artística chamada Circunvizinhança, bancada com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura.

Verdadeiros desbravadores urbanos, Thales, Nydia e Drummond arregaçaram as mangas visando resgatar essa identidade cultural de lugares um pouco esquecidos. Eles são uma espécie de novos bandeirantes. “As pessoas não dão valor à nossa história oral. Queremos reapresentar o bairro a seus moradores”, avalia Nydia.

Esse novo entendimento sobre cultura está se espalhando pelas bordas da capital. No caso da Lagoinha, os mais antenados já colocaram o bairro entre seus destinos. O curioso passeio guiado pelo Cemitério do Bonfim, a variedade de topa-tudo e antiquários, os grafites que vêm colorindo o bairro, a Casa Rosa do Bonfim, uma horta urbana, um mirante improvisado, um pequeno restaurante amazônico e até um bistrô quase secreto já movimentam esse cenário antes degradado. Alguns desses lugares são visitados durante o Rolezin Lagoinha, um passeio cultural criado por Thales. “O que nos atrapalha é a percepção negativa da região”, diz.

A caminhada, que começa na praça da Rodoviária, segue pela rua Itapecerica adentro e coloca os caminhantes em contato com lugares, moradores e suas histórias, e isso tem animado os habitantes dali. “Não podemos esquecer daqui, tem que animar e fazer evento”, avalia Tonhão, como o dono de um topa-tudo dali prefere ser chamado. “Antes aqui era tão movimentado que vinha gente do Rio de Janeiro e enchia contêiner com os móveis comprados”, relembra. “Mas temos que tomar cuidado com a especulação imobiliária”, devolve Thales. A próxima edição do Rolezin acontece em maio, em data a ser definida.

Lojas e comerciantes compõem outra frente dessa nova época do Lagoinha, por isso esse receio do publicitário faz sentido. Duas redes de supermercado estão investindo na região. Uma startup já abriu as portas ali para conectar realizadores locais com empresas apoiadoras. Em breve, o bairro também deve receber grafites imensos nas empenas de alguns prédios, uma ação do Circuito Urbano de Arte – Cura. E uma grande cervejaria pretende fincar sua operação ali, próximo de um futuro café que vai receber projeções de filmes na rua.

O maior sucesso no bairro, sem dúvida, são os antiquários. O mais impressionante deles é o Gigi Antiques, que reúne um inacreditável conjunto de peças garimpadas, como xícaras, bules, lustres, cristaleiras e poltronas e é frequentado por uma clientela de bolso cheio. Os preços, portanto, facilmente ultrapassam a centena de reais. Um opulento oratório do século XVIII sai a R$ 32 mil. Thales sempre leva os passantes ao local, e o impacto é imediato. Não sendo possível comprar nada, tire uma foto do cenário e ganhe muitas curtidas no Instagram.

Vida noturna como salvação

A simples iluminação falha pode impactar toda a vida cultural de um bairro, e a área da Lagoinha é exemplo disso. Dos cerca de 45 mil moradores dos bairros que integram o Complexo da Lagoinha, segundo Thales, 67% têm mais de 65 anos. Como são pessoas que não saem de casa a partir de um certo horário, à noite, a região sofre com um suposto desamparo. “Aqui falta espaço de convívio, falta uma iluminação melhor, falta vida noturna”, avalia Thales.

Mas só reclamar não faz parte da cartilha dessa turma, e por isso o publicitário reconhece que o poder público vem aumentando sua presença: “As coisas estão acontecendo. Queremos que a rua Itapecerica seja o coração cultural da Lagoinha”.