Música

Patrícia Ahmaral recebe Zeca Baleiro para comemorar o seu primeiro disco

Lançado há 20 anos, “Ah! apresentou a cantora belo-horizontina com um repertório pautado pela diversidade

Por Raphael Vidigal
Publicado em 16 de outubro de 2019 | 12:13
 
 
 
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Após uma controversa emenda que permitia a reeleição, Fernando Henrique Cardoso assumia o seu segundo mandato presidencial, o Juventude de Caxias do Sul se sagrava campeão da Copa do Brasil diante do Botafogo no Maracanã e “Central do Brasil”, iluminado pela presença de Fernanda Montenegro, vencia o Globo de Ouro na categoria de melhor filme estrangeiro. Esse era o Brasil de 1999, quando Patrícia Ahmaral, 52, deu o seu grito de estreia com “Ah!”, onomatopeia presente, também, em seu sobrenome artístico.

É para comemorar as bodas de porcelana desse primeiro disco que a cantora belo-horizontina sobe nesta quinta (17) ao palco do Cine Theatro Brasil, ciceroneada por Zeca Baleiro, que produziu o registro fonográfico. “O Zeca (Baleiro), juntamente com o Chico César, foram os grandes faróis da minha geração, sem subestimar outros nomes importantes, como Lenine, Moska e Vander Lee, mas os dois traziam uma força de renovação da música brasileira, junto a uma herança tropicalista, dialogando com a poesia e várias estéticas musicais, sem pensar em fronteiras, aliando tudo isso a um apelo popular”, enaltece a entrevistada, que justifica, com isso a presença de Baleiro no espetáculo.

A amizade entre eles aconteceu graças a Rossana Decelso, que estudava com Patrícia na Casa de Canto da cantora Babaya e era empresária de Baleiro. “Isso nos deu abertura para que eu convidasse o Zeca (Baleiro) para a produção do disco, e ele, generosamente, aceitou”, conta Patrícia. “Vamos fazer um bloco bem especial com a participação dele, que vai cantar algumas coisas solo também. Juntos, iremos homenagear um compositor que nós dois gravamos, que é o Sérgio Sampaio”, entrega. Além da inescapável “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”, a cantora ainda dava a voz a “Cabras Pastando”, ambas de Sampaio, no álbum celebrado. “O Zeca deu uma consistência interessante ao disco, e parece que ele perdurou no tempo, porque até hoje as pessoas me procuram para perguntar onde encontrá-lo”, revela.

O repertório apostava na diversidade, com direito ao samba-canção “A Volta do Boêmio”, a caipira “Beijinho Doce”, o reggae “Durango Kid” e “Máquina de Escrever”, da dupla de compositores tida como maldita formada por Luís Capucho e Mathilda Kovak, em arranjo eletrônico concebido por Sacha Amback. “Essa música me foi sugerida, ao mesmo tempo, pelo Zeca Baleiro e pelo Pedrinho Alves Madeira, que produziu um show que eu fazia e se chamava 'Cultura e Civilização'. O Pedrinho criou todo o roteiro. Foi uma coincidência. O (cantor) Pedro Luís tinha acabado de gravar”, relembra a intérprete.

A inquietação da artista foi descrita pelo jornalista Pedro Alexandre Sanches, em crítica publicada à época, da seguinte maneira: “Optando pelo derrame, fica no fio tenso – e já puído – do ecletismo, do qual escapa, er, por um fio, ao fazer questão da personalidade de interpretação. (…) Aqui e ali, a voz de cantora de MPB que prima pelo não-exagero contrasta com a necessidade grande demais de referências, de raio de alcance. É caso de ir ao pote com sede muita, mas... viva a sede”.

Futuro. Revendo suas memórias e auspiciando o presente, Patrícia se mantém em uma espécie de dicotomia existencial. “Acho que permanece a inquietação artística e uma disposição para essa entrega de buscar aquilo que faça sentido. Em contraponto a isso, percebo, em mim, uma quietude da personalidade, uma maior tranquilidade para continuar com o meu percurso, são as vantagens que a maturidade traz”, vaticina.

Sem abandonar o passado, Patrícia segue de olho no futuro com uma proposta que parece unir essas duas pontas. Na apresentação, ela vai dar um aperitivo de seu próximo projeto, que já vem sendo acalentado desde 1998 e está previsto para chegar à praça em 2020. “Quero lançar uma homenagem ao Torquato Neto. Vou cantar uma inédita dele, que é uma melodia que o Zeca (Baleiro) compôs sobre um poema do Torquato e se chama 'Jardim da Noite (Esses Dias)'. Também vou interpretar 'Quero Viver', do Torquato com o Chico César”, informa.

A raiz desse sonho data da década de 90, quando, a convite da então secretaria de Cultura do município, Patrícia realizou um show com o repertório de Torquato para a “Primeira Bienal Internacional de Poesia de Belo Horizonte”, com curadoria dos poetas mineiros Ricardo Aleixo, Marcelo Dolabela e Sérgio Fantini. “Era a primeira, mas, infelizmente, não tivemos outras bienais”, lamenta ela, que admite ter descoberto, ali, a “figura extraordinária” de Torquato. “Veio o encantamento com a obra dele, que era poeta, letrista, cineasta, agitador cultural, e foi um dos responsáveis pela síntese do que é a Tropicália, uma arte sem preconceitos, popular, que assumia todas as estéticas ao mesmo tempo e agora. Ele falava, de maneira profunda, sobre a busca incessante de expressar um sentimento”, define.

Pertencente a “uma geração onde a absorção, em todas as áreas da vida, acontecia de uma forma mais natural e coerente com o tempo”, Patrícia admira a capacidade de “criar coletivamente” dos novos autores. “Não vivi isso no meu tempo. Da necessidade, se faz a transformação. Estamos numa era, mundialmente, tão árida, e aí surgem coisas incríveis. Sou fã dessa galera que produz, cria e divulga a arte coletivamente”, conclui.

Serviço. Show de Patrícia Ahmaral, com Zeca Baleiro, nesta quinta (17), às 20h, no Cine Theatro Brasil (av. Amazonas, 315, praça Sete). De R$ 20 (meia) a R$ 50 (inteira) 

Ouça o disco de estreia de Patrícia Ahmaral:

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