Livros

Pequenas desbravadoras

Editoras tocadas por uma pessoa só oxigenam o mercado editorial com publicações criativas, ousadas e inéditas

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 26 de maio de 2018 | 03:00
 
 
 
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Publicar um livro exige várias etapas das quais podem participar revisores, tradutores, designers, além de editores interessadas em colocar um conteúdo à disposição dos leitores. O mais comum é que essas tarefas sejam executadas por profissionais diferentes, mas, às vezes, é possível que uma mesma pessoa edite, diagrame e até seja responsável pela impressão.

É o caso das microeditoras que têm um único responsável, às vezes, desempenhando vários papéis. E apesar de muito pequenas, elas têm se revelado capazes de grandes iniciativas. Um exemplo disso é a Demônio Negro, criado pelo editor, designer e jornalista Vanderley Mendonça.

Desde 2006, o selo tem impactado o cenário editorial com edições primorosas e inéditas, como a publicação bilíngue de “Lustra”, primeiro livro do poeta Ezra Pound (1885-1992) – até então indisponível em português –, e a reedição de “O Guesa”, do brasileiro Sousândrade (1832-1902), que foi sugerida pelo poeta Augusto de Campos, e, inclusive, conseguiu reparar erros tipográficos do original.

Nascido em Fortaleza, mas radicado em São Paulo, Vanderley diz ter como referência o trabalho do tipógrafo italiano Aldo Manuzio, que viveu entre os séculos XV e XVI. “Ele era impressor, editor, tradutor, sendo responsável por verter para o italiano grandes obras do grego e do latim. Também comercializava os livros em pequena escala, era um verdadeiro faz tudo. Para você ter uma ideia, foi ele quem criou a ideia que temos de um livro moderno”, pontua Vanderley. 

Seguindo os passos do italiano, ele, que estudou tipografia na Alemanha, é quem diagrama os volumes da Demônio Negro, escolhe o papel e até o tecido já usado em edições especiais.

“Eu ter fixos um capista, um diagramador, um revisor e um tradutor seria desmantelar meu próprio projeto. Eu tenho uma distribuidora de vez em quando, mas isso é raro, porque minhas tiragens são pequenas”, completa ele. 

Em 2017, quando trouxe a público o título “Lira Argenta – Poesia em Tradução”, com poemas de 38 poetas de várias nacionalidades e períodos, Vanderley contou com reforços. “O grosso das traduções é meu, mas convidei alguns amigos que cuidaram dos textos em romeno e grego, por exemplo”, afirma ele, que, atualmente, prepara a organização da poesia completa de Ronaldo Azeredo (1937-2006). “Segundo Augusto de Campos, ele é o único poeta concreto que já existiu”, diz Vanderley.

A artista paulistana Ana Rocha, radicada em Belo Horizonte, atua na mesma direção. Ela é quem comanda hoje a Polvilho Edições, iniciada em parceria com Caio Otta em 2012. Há cerca de um mês, ela lançou em Buenos Aires o livro “Cafeína”, em versão bilíngue (português e espanhol), com poesias da argentina Glenda Pocai. Ela mesma foi quem desenhou o livro da capa ao verso. Tal dedicação às produções de outros autores, contudo, é mais recente. O primeiro título que organizou foi “A Mariposa”, em 2016, com poemas de Maria Cecilia Nachtergaele, mãe do ator Matheus Nachtergaele.

“Ele havia feito uma peça em que recita as poesias dela e, a partir desse espetáculo, teve a ideia reunir essas poesias em um livro. Eu, então, fiz o projeto gráfico e editamos o conteúdo juntos”, recorda Ana, que, depois de começar a tocar a Polvilho sozinha, aumentou o número de projetos concretizados.

“Há muita coisa boa em ter um parceiro, mas acho que, às vezes, nós conseguimos ter mais agilidade quando pensamos sozinho. O que não deixa de ser um desafio, porque você precisa dar conta de tudo. Eu tenho que responder e-mails, frequentar as feiras, postar os pedidos. A parte prazerosa é a produção, mas além dela tem todas as outras”, relata.

A paulistana Bebel Abreu, que tem formação em arquitetura, também desdobra-se em várias funções com sua Bebel Books. Na ativa desde 2012, a editora tem feito sucesso com publicações ousadas, como o título “Suruba para Colorir”. Para leitores adultos, o título, em dois volumes, teve mais de 30 mil impressões. O produto repercutiu bastante e, de certa forma, ironizou a onda fofinha de livros de colorir, conduzindo-a a outro patamar. “Esse livro virou um ícone cult. O (jornalista humorístico) José Simão outro dia falou dele, e esse trabalho chegou a ser pauta duas vezes em programas do GNT: o ‘Saia Justa’ e o ‘Papo de Segunda’. Ele não teve só sucesso comercial, mas de crítica também. Foi apontado como uma das publicações mais frescas e contemporâneas, e já apresentei esse trabalho em eventos internacionais em Amsterdã (Holanda) e até na Universidade de Stanford (nos Estados Unidos)”, recorda Bebel. 

Outros trabalhos ressaltados pela editora são “Flutuantes”, de Bárbara Malagoli, já praticamente esgotado, e “Acqua Alta”, com ilustrações do quadrinista Nik Neves inspirado nas paisagens de Veneza. “O Nik é um artista super reconhecido e quando vi o que ele tinha feito, eu saquei que ali havia um livro lindo. Só precisava de um outro tratamento, porque ele já havia publicado isso, mas de maneira mais simples. O resultado deu tão certo que o livro acabou caindo nas mãos de uma grande editora internacional que convidou ele para fazer um trabalho por causa dessa história”, conta Bebeu.

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