Um homem esbelto, de perfil longilíneo e nariz afilado, que não dispensava uma cigarrilha na mão. O tempo conservou uma única fotografia em preto e branco de Antonio Lopes de Amorim Diniz (1884-1953), cujo apelido Duque fazia referência ao estilo dândi do bailarino, compositor, jornalista e teatrólogo brasileiro, nascido em Salvador, na Bahia.

Duque desenvolveu sua carreira na Europa. Especialista em maxixe, passou a divulgar o gênero ao lado da bailarina francesa Gaby. Foi graças à influência de Duque que, em 1922, o magnata Arnaldo Guinle financiou uma viagem do grupo Oito Batutas a Paris.

“Foi a primeira vez na história que um conjunto brasileiro levou a música popular do país para a Europa. Naquela altura, Paris era a grande capital cultural do mundo, onde tudo acontecia”, afirma o maestro Antonio Seixas, diretor musical do espetáculo “Do Palais a Paris: 100 anos dos Oito Batutas”, que estreia nacionalmente nesta quarta (15), em Belo Horizonte.

Aproveitando o gancho da apresentação ocorrida em abril de 1919, no Cine Palais, no Rio, considerada o pontapé inicial na carreira do grupo fundado por Pixinguinha – e que tinha ainda, em sua formação original, Donga (violão), China (canto, violão e piano), Raul Palmieri (violão), Nelson Alves (cavaquinho), José Alves (bandolim e ganzá), Jacó Palmieri (pandeiro) e Luís de Oliveira (bandola e reco-reco) –, Seixas idealizou o projeto, que visa resgatar esse legado.

“Em função das temporadas internacionais, os Batutas começaram a ter contato com músicos de todo o mundo e passaram a agregar, ao som deles, referências dos cubanos e do jazz de Nova Orleans”, observa o regente, que cita alguns exemplos concretos como resultado desses encontros. “O grupo substituiu o cavaquinho pelo banjo, incluiu a bateria e investiu em mais sopros. Além disso, chegou inclusive a mudar de nome. Eles eram conhecidos como Orquestra Típica Oito Batutas, e alteraram para jazz band Oito Batutas”, destaca.

O próprio Pixinguinha, que chegou ao velho continente como flautista, descobriu por lá o instrumento que mudaria a sua vida. “A imagem que todo mundo tem do Pixinguinha é a dele tocando saxofone, que, na verdade, ele só veio a conhecer na Europa. O Guinle mandou fazer um sax especial para dar ao Pixinguinha”, conta Seixas. “Os Oito Batutas foram um verdadeiro divisor de águas, nunca mais se tocou música brasileira como antes”, completa.

Repertório

Para reviver as canções que pavimentaram o caminho do grupo, Seixas optou por um time eclético de convidados, contemplando “tanto a tradição quanto a juventude”. Mais antigo grupo de choro em atividade no país, o Época de Ouro, fundado por Jacob do Bandolim (1918-1969), foi convocado para fazer as vezes de anfitrião. Já o sambista, carnavalesco e ator Haroldo Costa será uma espécie de mestre de cerimônias. “O Haroldo tem conhecimento de causa, por isso é a pessoa mais indicada para ajudar a retratar essa história sem academicismo, para que ela não se torne enfadonha”, declara Seixas.

Para “equilibrar os shows da série”, o maestro convidou dois intérpretes vocais e dois instrumentistas. Além do experiente clarinetista e saxofonista Nailor Proveta, o flautista Lucas Brito comparece como “representante da nova geração”. “Não bastasse ser um grande músico, o Lucas ainda tem uma semelhança física impressionante com o Pixinguinha”, sublinha Seixas. Tanto é verdade que Brito interpretou o ídolo no filme que será lançado sobre a vida do compositor de “Rosa” e “Carinhoso”.

Para cantar, foram escolhidas as vozes de Fabiana Cozza e Dudu Nobre. O afilhado de Zeca Pagodinho entrega que o sucesso “Batuque na Cozinha”, a esquecida “Meu Passarinho” e a incontornável “Pelo Telefone” estão no repertório. E não esconde o orgulho de ser acompanhado pelo Época de Ouro. “Eles têm uma importância gigantesca dentro do chorinho. É muito bacana tocar com pessoas que vêm de outras escolas. Estava até brincando com eles que, com a minha banda de samba, a gente logo bota uma ‘batucadona’ por cima, e, com eles, é mais miudinho, o repique é diferente”, compara.

“Pelo Telefone”, primeiro samba registrado no Brasil, não é a única canção garantida. Seixas diz que “músicas que ficaram relegadas ao ostracismo agora receberão o devido prestígio”. Entre elas está “Sarambá”, samba composto em francês por Duque, numa parceria com J. Thomaz que “fez um tremendo sucesso na França”, recorda o maestro. O maxixe “Tricolor”, o dobrado “Vitorioso” e o fox trote “Dançando”, de Pixinguinha, completam a festa. “Pixinguinha é a essência da música brasileira, ele está no nosso DNA”, exalta Nobre, que presta uma última reverência. “É uma satisfação imensa estrear o projeto em BH”, conclui o sambista.

Programe-se

Espetáculo “Do Palais a Paris: 100 Anos dos Oito Batutas”, com o conjunto de choro Época de Ouro, apresentação de Haroldo Costa e direção musical do maestro Antonio Seixas. Nesta quarta (15), com Dudu Nobre; dia 22/1, com Lucas Brito; dia 29/1, com Nailor Proveta; e dia 5/2, com Fabiana Cozza; sempre às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Ingressos entre R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).