Há mais de uma década, o brasiliense radicado no Rio de Janeiro Roger Mello vem conquistando um espaço singular no cenário brasileiro e internacional com seus livros, principalmente os infantis. Foi com “Madre Teresa” (1996), por exemplo, que o ilustrador, escritor e dramaturgo passou a figurar na lista de honra do International Board on Books for Young People (Ibby), organização suíça responsável por administrar o prêmio Hans Christian Andersen – considerado o de maior prestígio no universo da literatura infantil.
O feito, a seu ver, foi o primeiro passo para ele arrebatar o Hans Christian Andersen na categoria ilustrador, em 2014, tornando-se o primeiro da América Latina a receber tal honraria. Naquele mesmo ano, ele foi contemplado pelo prêmio Chen Bochui International Children’s Literature Award, sendo destacado como o melhor autor estrangeiro na China, e teve uma mostra individual na Coreia do Sul.
De lá para cá, sua presença no mercado estrangeiro só vem crescendo. No ano passado, Mello publicou seu primeiro livro nos Estados Unidos. O título escolhido foi “Todo Cuidado É Pouco”, que saiu no Brasil em 1999. A resposta dos norte-americanos foi boa, e a obra logo entrou para a lista dos melhores do ano promovida por publicações locais. A obra se esgotou em dois meses, o que incentivou novos contratos. O autor deverá lançar em 2018 outros dois livros nos Estados Unidos: “João por Um Fio” (2005) e “Carvoeirinhos” (2009).
“O que aconteceu com ‘Todo Cuidado É Pouco’ foi realmente uma surpresa. Eu fiquei me perguntando se o livro realmente iria se comunicar com as pessoas e eu vi que sim. Por mais que as histórias presentes tragam personagens diversos, elas se passam numa paisagem bastante brasileira. Mas as referências estão todas misturadas, e o livro brinca com essa coisa da globalização. Ele é muito local, mas fala também a linguagem do mundo, permeando tradições narrativas que remontam à Índia, ao Irã, entre outros países associados ao Oriente”, conta Mello.
Apesar de não ser um trabalho recente, o autor ressalta que “Todo Cuidado É Pouco” revelou-se “fresco e contemporâneo”. Além do modo como o autor concebe uma narrativa cotejada por referências globais, ele ressalta o elemento nonsense como um aspecto que se mostrou atrativo para o leitor norte-americano. “O livro foi traduzido por Daniel Hahn, que se criou na Inglaterra e, portanto, se relaciona muito bem com o nonsense e com toda a tradição dos grandes escritores do gênero, como Lewis Carroll (1832-1898). Então, eu acho que os leitores souberam se relacionar muito bem com esse tipo de conteúdo”, diz Mello.
Na China, por sua vez, o escritor tem dez livros publicados e, atualmente, ele conta que vem sendo estudadas outras parcerias com o mercado latino-americano também. “Eu estou em diálogo com algumas editoras da Colômbia e do Chile, entre outros países do Caribe”, relata ele. Para o mercado brasileiro, ele também prepara um novo lançamento que deverá sair pela Companhia das Letras e é fruto do trabalho com a ilustradora Mariana Massarani, com quem produziu “Inês” (2015), consagrado com o Jabuti na categoria infantil em 2016.
O novo título, de acordo com Mello, vai narrar a história de Enreduana, que é tida como a primeira autora do mundo, tendo escrito seus poemas antes mesmo de Homero e Gilgamesh. “Ela foi a primeira pessoa que assinou um texto e nasceu na região da antiga Mesopotâmia, no Oriente Médio. Ela viveu há 4.000 anos, compôs o primeiro texto ficcional, mas quase ninguém fala disso”, observa.
“Ela era uma pensadora, uma filósofa, uma mulher muito ligada à política e que começou a influenciar muito o pensamento da época. Tanto que o seu irmão a mandou para o exílio. Eu vou para congressos de literatura em várias partes do mundo, e quando falo de Enreduana, as pessoas dizem que nunca ouviram falar dela. Mas não há dúvidas de que ela escreveu, porque existem as placas em escrita cuneiforme que com o tempo só ficam mais sólidas. Se você queimá-las, por exemplo, elas viram cerâmica”, completa o escritor.
Em 2017, Mello também trouxe a público seu primeiro romance adulto, intitulado “W”, e conta que já tem em vista a publicação de outros dois. Ao comentar a passagem da literatura infantil para a adulta, ele relata que escrever para crianças é mais desafiador.
“Quando eu escrevo para o público infantil, eu não gosto da ideia de fingir que eu sou criança. Eu acho que esse é um pacto falso, uma mentira. Eu gosto do texto feito por adultos, mas que é sincero com a criança e não a poupa de nada. Então, quando escrevo para elas, eu tento participar de um jogo, de uma espécie de brincadeira, que, no fim, exige bastante trabalho e é mais difícil do que escrever para adultos”, afirma Mello.