MC Cabelinho, 24, sente falta das ruas. Por conta da pandemia do coronavírus ele está, como a maior parte da população brasileira, confinado em casa há cerca de uma semana. "Estou me cuidando, escrevendo músicas novas, torcendo para que isso acabe logo e, ao mesmo tempo, entediado. Não ir pra rua é um bagulho muito difícil. Ficar longe do trabalho, sem atuar, fazer shows, é muito ruim pra nós que estamos acostumados. Esse lance da pandemia mudou tudo de uma hora para a outra, de um jeito muito radical. Quando eu menos esperava, não podia mais sair de casa", diz o MC. 

A última vez que Cabelinho deixou o lar foi, justamente, para gravar o clipe de "Química", o seu mais novo single, já disponível nas plataformas digitais. A exemplo de grande parte de suas produções audiovisuais, esta também é ambientada no morro do Pavão-Pavãozinho, no Rio, onde ele nasceu. A música aborda uma história de amor e traz versos como "Te chamar de minha dama, aquela pegada na cama/ E que daqui a dez anos seja como o início/ Todos sempre dizem que o começo tudo é flores/ Mas por que não te dar flores daqui a dez anos?/ Eu duvido que um dia a relação esfrie/ Até porque, amor, você chegou causando danos", embalados no estilo romântico do funk melody. 

"Eu acho que, nas periferias, todo mundo já viveu um grande amor. Eu quis gravar o clipe no Pavão-Pavãozinho porque é lá que estão as pessoas com quem tenho afinidade, conheço todo mundo", afirma Cabelinho. Foi em parceria com o produtor Pep Starling, responsável pelo beat da música, que o compositor resolveu voltar à seará acústica. A última vez havia sido no projeto "Poesia Acústica 6", lançado na véspera de Natal em 2018, cujo clipe de que Cabelinho participa reuniu nomes como Orochi, Bob do Contra, Maquiny, Azzy, Filipe Ret, Dudu e Xamã. 

Ele também estava com saudades da temática afetiva, que não revisitava desde "Vamos Fugir", produzido por KondZilla. "A letra fala de um cara que se apaixonou, mas, tem medo de se entregar e se magoar. Muita gente hoje em dia é assim, não se entrega por completo, tanto o homem quanto a mulher. Atualmente, é difícil confiar em alguém, ainda mais numa relação com figuras públicas, que as pessoas sabem que são desejadas por fãs, então rola um medo natural", pontua. O cantor admite que a canção "é um misto, tem um pouco de mim e um pouco de outros amigos". 

"Eu geralmente me inspiro na minha própria história ou na vivência de alguém próximo, e às vezes crio uma parada na minha mente e ponho tudo no papel. Tem muito do que você sente na hora que ouve o barulho do beat. É uma coisa natural e espiritual", completa. O trânsito por vários gêneros musicais é encarado com a mesma flexibilidade. "Acho que eu faço vários tipos de funk, desde o 'proibido', com palavrão, que não quero abandonar, até o melody, que tem aquela pegada romântica do MC Marcinho, com uma batida diferente, mais leve, doce. Tem funk pra toda hora: pra quem tá triste, feliz, o ostentação e também pra quem quer dar uma esquentada", garante. 

Raízes. No decorrer do videoclipe de "Química", protagonizado pelo ator Caio Giovani e pela atriz Savanah, a mulher do casal tenta ajeitar a antena da TV quando aparece na tela o lance do gol do Flamengo que deu ao time carioca o título da Taça Libertadores da América em 2019. MC Cabelinho não sabia dessa cena. "Foi uma surpresa que o diretor Gabriel Camacho fez para mim", revela. Flamenguista de coração, o cantor aparece nas imagens vestido com uma camisa do Barcelona. Em outros clipes, como "Em Busca da Meta", ele traja o manto de outras agremiações esportivas, como Internazionale e Juventus, da Itália. 

"É uma identidade que criei para mim e que uso em tudo quanto é lugar, nos shows, nos clipes, quando não estou com camisa de time o pessoal até repara", diverte-se. Segundo ele, o "vício começou cedo". "Não tenho um time 'certo' europeu pra torcer. A maioria do pessoal que é nascido e criado em comunidade se amarra em camisa de time. Quando eu tinha 13, 14 anos, eu via os mais velhos usando camisa de time, e mesmo os moleques da minha idade. Um amigo me emprestava as dele e eu falava que, quando tivesse condição, ia comprar várias. Não vou mentir para você, o preço é salgado", ressalta. 

Sucesso. A virada começou para Cabelinho em 2016, quando ele colocou na praça os primeiros singles, de quem são exemplos "Avisa Lá Que o Morrão Tá Lindo" e "Voz do Coração", que já deixavam clara a sua versatilidade. Três anos depois, pintaria o convite para viver o personagem Farula na novela "Amor de Mãe", escrita por Manuela Dias e Mariana Mesquita, a quem o funkeiro faz questão de agradecer "a oportunidade de realizar um teste" para a trama. "O Farula e o Cabelinho são dois jovens de periferia. Eu trouxe para o personagem essa minha vivência na favela, onde sabemos que temos que trabalhar, lutar e correr atrás desde cedo, por maior que seja a falta de oportunidades", lamenta. 

Na novela, Farula ajuda a personagem vivida por Vera Holtz a traficar crianças. "A única diferença entre mim e o Farula é que ele se perdeu para o mundo do crime. Acho bonita a mensagem que está sendo escrita, mostrando o Farula saindo dessa vida. É um recado para toda a sociedade. Todo mundo tem sonhos, até aquelas pessoas que tomaram decisões erradas. A maioria das pessoas que está no crime é por falta de oportunidades", opina. Cabelinho conta que nunca fez teatro e que, durante as filmanges ao lado de figurões como Regina Casé, Taís Araújo, Humberto Carrão e outros, sempre que pedia um conselho, recebia a mesma resposta. 

"Eles me falavam para amar o personagem, decorar o texto, absorver e colocar em prática. Foi o que eu fiz", informa. Curiosamente, no documentário "5X Vezes Favela: Agora Por Nós Nesmos" (2010), ele apareceu como figurante. Na esteira dessa aparição relâmpago, o cantor recebeu um pedido de amigos, no ano de 2011, para criar rimas com os nomes de todos eles. Durante o trajeto diário para a escola, os fones de Cabelinho viviam preenchidos por músicas dos ídolos MC Tikão, MC Orelha e MC Smith. 

O resultado foi a canção "Família Soci", em referência ao prédio da associação de moradores da favela onde os amigos se encontravam. Assim que a música invadiu a internet, conhecidos de morros vizinhos começaram a fazer o mesmo pedido para Cabelinho. Mas ele decidiu que não queria mais "criar música de bonde" e foi atrás do sonho de ser um MC. 

Batismo. No começo, ele era conhecido como MC Vitinho, nome que foi obrigado a abandonar, porque havia um homônimo. O novo batismo veio quando viram o "cabelo arrepiado e pintado de loiro" dele. Já em 2012, o funkeiro deu os primeiros passos com a alcunha definitiva. Em breve, Cabelinho pretende lançar um projeto, que ele prefere não definir como álbum ou EP, mas que terá a participação de companheiros com o peso do rapper Djonga, e que se guiará pelo ecletismo, indo do trap funk ao acústico. 

Antes de chegar até aqui, Victor Hugo Nascimento, vulgo MC Cabelinho, colecionou diferentes "bicos" para se sustentar. Foi ambulante em Copacabana, trabalhou na oficina de um primo como varredor e ajudou um tio a montar janelas persianas. Uma das artistas que ele mais admira é a inglesa Amy Winehouse (1983-2011). "É a artista mais autêntica, verdadeira e original que eu já vi. As pessoas me perguntam porque eu gosto dela. A resposta é simples: tudo que a Amy vivia, ela colocava no papel. Os relacionamentos ruins, as traições, as drogas. Essa verdade me conquistou", conclui.