Novo momento

Terror anda por terreno menos trash

Críticas sociais e mal-estar coletivo, em detrimento de crimes horrendos ou assombrações, têm inspirado produções do gênero especialmente no cinema; no Brasil, tema tem sido mais explorado

Por Laura Maria
Publicado em 06 de agosto de 2017 | 03:00
 
 
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Estaria o terror experimentando um novo momento? Visto como essencialmente comercial, o gênero começa a trilhar caminhos experimentais e densos, tanto no cinema quanto na literatura. Em artigo publicado no britânico “The Guardian”, Steve Rose defendeu que há uma onda de novos filmes que desafiam as convenções do gênero. O jornalista definiu esse movimento como “pós-horror”, provocando polêmica entre fãs e pesquisadores do terror. No texto, Rose analisa que filmes como “Ao Cair da Noite” e “A Bruxa” enquadrariam-se nessa nova vertente por privilegiar roteiros mais sombrios em detrimento dos sustos fáceis.

Outras produções recentes como “Corra” (EUA, Jordan Peele, 2017), “Fragmentado” (EUA, M. Night Shyamalan, 2017) e “O Homem nas Trevas” (EUA, 2016, Fede Alvarez) têm suas narrativas mais preocupadas em lançar luz sobre medos e paranoias provocadas por incômodos advindos de um mundo real do que de apresentar monstros, assombrações ou mortes brutais e sangrentas.

“A Bruxa” – produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira –, por exemplo, traz uma família britânica do século XVII excluída da comunidade cristã em que viviam por professarem outra fé. A tensão do longa-metragem apoia-se no medo que cada membro da família sente quando o bebê é raptado por alguém (ou alguma coisa).

Independentemente da nomenclatura, essa teoria de um novo terror é defendida por especialistas. De acordo com o crítico de cinema e pesquisador Marcelo Miranda, filmes como “A Bruxa” e “O Homem nas Trevas” trouxeram um frescor que há muito não se via na telona. “Talvez sejam eles (os filmes) que estejam trazendo essa impressão de um novo momento no terror. O gênero está passando por um momento de muita ousadia e de grande experimentação. Ele tem-se reinventado de alguma forma. Seja para superar alguma coisa que já está ultrapassada ou pelo surgimento de novos talentos”, diz.

Para Miranda, essa nova fase do terror teve início com a decadência do “found footage”. Há aproximadamente dez anos, filmes de terror eram produzidos a partir de materiais pré-existentes ou com filmadoras simples. “A Bruxa de Blair” (EUA, Adam Wingard, 1999) praticamente inaugurou o gênero e, depois dele, vieram produções como “Diário dos Mortos” (Canadá, George A. Romero, 2007), “Atividade Paranormal” (EUA, Oren Peli, 2007) e “Quarentena” (EUA, John Erick Dowdle, 2008).

“O que coloca filmes como ‘Corra’, ‘Ao Cair da Noite’, ‘Fragmentado’, ‘O Homem nas Trevas’ e ‘A Bruxa’ em um mesmo momento contemporâneo é um certo mal-estar com o mundo, e não um fetiche com a linguagem. Não há grandes invenções no roteiro, mas eles trabalham com a ideia de desconforto”, opina Miranda.

O norte-americano Stephen King, considerado o mestre do terror, avalia, em seu livro “Dança Macabra” (ed. Objetiva, 2003), que os “filmes de terror sempre foram populares, mas a cada dez ou 20 anos eles parecem desfrutar um ciclo de maior popularidade e interesse”.

A previsão de King tem se confirmado. “Fragmentado”, por exemplo, (Steven Spielberg, 1975), atingiu bilheteria de quase US$ 600 milhões. O filme custou a Shyamalan US$ 40 milhões. A nova onda no terror não atinge apenas o cinema de fora. No Brasil, a produção “O Rastro” (Brasil, J. C. Feyer, 2017) foge de clichês carnificinas ao destacar o desatino por qual passa o jovem médico João Rocha (Rafael Cardoso) quando percebe que uma criança desaparece do hospital do Rio de Janeiro, que seria fechado por falta de verba.

Tendo dirigido quatro filmes de terror brasileiro, e em vias de lançar seu quinto trabalho, o “Mata Negra”, o cineasta Rodrigo Aragão também tem percebido um terror feito sem sustos fáceis. “Eu respeito, mas gosto mesmo de susto, de sangue. Esse tipo de terror é como ouvir rock’n’roll sem a distorção da guitarra”, avalia.

Na avaliação do diretor, o terror brasileiro caminhou por muito tempo a passos lentos, mas agora acontece um boom do gênero. “O terror é um gênero amado. Está no alicerce do cinema. Eu lancei meu primeiro filme em 2008. Foi um ano muito marcante, porque o mestre Mojica (Zé do Caixão) lançou ‘A Encarnação do Demônio’. Foi um pontapé inicial do terror que temos hoje”, diz.

Ridículo no teatro

Diretor de Zécarlos Machado, Eduardo Tolentino de Araújo avalia que é preciso tomar muito cuidado ao encenar o gênero no teatro, pois corre-se o risco de cair no ridículo. “O terror deve ser imaginado”, avalia. Por isso a escolha da leitura dramática em detrimento da representação de peças. No palco, nada de cenário, e os atores não usam figurino.

Nos quadrinhos

Os quadrinhos também são terreno fértil para o terror. É o que garante o carioca Carlos Patati, 56, quadrinista do gênero há 30 anos que contribuiu para as revistas “Spektro” e “Pesadelo”, da editora Vecchi. “No Brasil, está existindo um movimento de recuperação do terror, pois os espaços para publicar estão crescendo”, avalia.


Análise

Novo momento flerta com o passado

O terror hoje pode até viver um novo momento, mas o gênero, inevitavelmente, flerta com o passado. É o que defende a dramaturga e jornalista Beatriz Carolina Gonçalves, curadora do projeto “Histórias Extraordinárias”. O evento, que já passou pelo Rio de Janeiro, agora está em cartaz no CCBB de Belo Horizonte e leva ao público leituras dramáticas de contos de terror. “O Poço e o Pêndulo”, de Edgar Allan Poe, abriu a programação com leitura do ator Zécarlos Machado, com direção de Eduardo Tolentino de Araújo. A próxima interpretação será de “Drácula”, texto de Bram Stoker, e será realizada nesta quarta-feira, das 19h30 às 21h, pelo ator Emílio de Mello, com direção de Fabiano de Freitas.

“Ao dar vida nova aos clássicos pode-se trazer a história para o presente. A adaptação de Sérgio Roveri para ‘Frankenstein’, por exemplo, traz a história de um monstro criado em um hospital bombardeado na Síria que, quando vai atrás de seu criador, pega um barco de refugiados. O terror, nesse caso, é a morte no mar e a guerra”, conta Beatriz.

A pesquisadora de terror Laura Cánepa, por sua vez, refuta a ideia de que exista o pós-horror. Ela é autora da tese “Medo de quê? – Uma história do horror nos filmes brasileiros”, defendida em 2008, na Unicamp, e argumenta que a defesa da ideia de um novo momento do terror é provocada por desconhecimento do gênero.

“Edgar Allan Poe já fez isso há anos. Essa tentativa de buscar sinônimo para o momento do terror é o mesmo que desinformação, que ignora tudo o que veio antes. Existe uma certa arrogância. É novo para quem?”, questiona Laura. Todavia, ela destaca que existe, sim, um horror moderno e faz uma lista de filmes e de livros considerados fundadores dos tipos de filmes produzidos hoje.


Lançamentos

Literatura brasileira de terror vive momentos áureos

FOTO: Leo Fontes
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Jéssica Rezende se diz uma leitora assídua do gênero de terror

Apesar de não serem classificados como escritores de horror, alguns nomes nacionais exploravam o gênero na literatura desde o século XIX, como Aluísio Azevedo (1857-1913), com “O Cortiço” (1980) ou Machado de Assis (1839-1908) – leitor ávido de Edgar Allan Poe – com o conto “A Causa Secreta” (1885).

Mas, se por um lado tais escritores não são comumente lembrados pelo tom sombrio de algumas obras, por outro hoje existem autores que se dedicam ao gênero. O nome mais lembrado é o do carioca Raphael Montes, 26. Visitante costumeiro do gênero policial, o escritor é autor de “Suicidas” (ed. Benvirá, 2010, R$ 27,90), “Dias Perfeitos (ed. Companhia das Letras, 2014, R$ 39,90), “O Vilarejo” (ed. Suma de Letras, 2015, R$ 26,30) e “O Jantar Secreto” (ed. Companhia das Letras, 2016, R$ 31,90).

Todos os livros de Montes tiveram os direitos vendidos para adaptações no cinema, e “Vilarejo” ganhou adaptação para o teatro. “Sempre fui apaixonado por literatura policial. Não sei como o terror entrou em minha vida, mas comecei a escrever meus livros, e as pessoas que liam viam referências a histórias do gênero”, pontua Montes.

“A literatura de terror coloca o ser humano em situações extremas, e essas situações nos fazem refletir sobre quem somos”, reflete. Montes também acredita que o terror esteja passando por um momento de “prestígio, em que se está tirando o ranço de trash, de malfeito”.

A também escritora Verena Cavalcante – pseudônimo para Bruna Oliveira Gonçalves – aventurou-se no gênero de forma inusitada: seu livro de estreia, “Larva” (ed. Oito e Meio, 2015, R$ 38), é dividido em oito contos de terror narrados por crianças. “Interessei-me por psicologia e descobri que muitos traumas de adultos se originam de medos da infância. Então, decidi estudar isso e escrevi o livro”, conta.

Neste ano, foram lançados pelo menos três livros brasileiros de terror brasileiro: “O Escravo de Capela” (Faro Editorial, 2017, R$ 31,80), do cineasta Marcos debrito, “Os Filhos da Tempestade” (Planeta, 2017, R$ 23,90), de Rodrigo de Oliveira, e o próprio livro de Santiago Nazarian, “Neve Negra” (ed. Companhia das Letras, 2017, R$ 39,90). E para quem quer acompanhar lançamentos de terror nacionais e de fora, a editora DarkSide Books dedica-se exclusivamente a apresentar obras do gênero.
A produtora de eventos Jéssica Rezende, 23, por exemplo, é fã assídua da literatura de terror, especialmente, dos textos de Edgar Allan Poe. Ela diz que o terror lhe interessa em tudo. “Tanto na literatura como no cinema e até na poesia”, conta.

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