Música

Transpondo barreiras

Instrumentistas trans, como Malka, Alice Pereira e Transbatukada, começam a se destacar no país

Por Thiago Prata
Publicado em 31 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Alice Pereira, 44, mulher trans, natural de Paracambi, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Malka, 33, travesti, nascida em São Caetano do Sul, no ABC paulista – mas criada em Sapopemba (SP). Apesar das distâncias geográficas e de idade entre as duas, elas caminham paralelamente pela mesma trilha: são musicistas trans no Brasil, fazendo de seus instrumentos a voz do discurso LGBT.

“A música sempre esteve em meu ambiente familiar”, relata Malka. “Na infância, comecei pelo teclado. Depois, passei para piano, guitarra, violão, baixo...”, completa.

Eclética, fã do soul e do jazz de Nina Simone e do rock industrial do Nine Inch Nails, integrou, ao longo dos anos, bandas de indie, como Starfish 100 e Omega Mary, e o duo de música eletrônica We Say Go. Em 2016, criou a produtora musical 3dB Áudio. E em 2018, um fato provocou nela sentimentos antagônicos.

“Toquei viola de arco neste ano na camerata de cordas da Fundação das Artes, a convite da Orquestra Sinfônica da fundação, no aniversário de 50 anos da instituição, que contou com o João Bosco. Fui a primeira trans a se apresentar na Sala São Paulo. A parte ruim é que saí da orquestra quatro meses atrás por conta de transfobia nos ensaios. Resolvi sair por conta disso”, relata.

O episódio não diminuiu nela o ímpeto de seguir com sua música e sua luta. Neste ano, ela lançou o single “Pimenta”, de sua carreira solo, compôs a trilha sonora da peça “A Segunda Queda”, da dramaturga Ave Terrena, e lançou a Trava Bizness, primeira gravadora focada em artistas trans. “Muita gente quer apagar nossa existência, mas nós nos empoderamos de várias maneiras. E vamos continuar sempre”, diz.

Alice

Figura itinerante no Carnaval do Rio, Alice Pereira toca baixo no bloco Fogo e Paixão desde 2011, mas foi em 2017 a primeira vez que pulou na folia como mulher trans, depois de iniciar um processo de transição em 2016. Foi a realização de um desejo alimentado na infância, época em que a música surgiu como melhor amiga. “Gosto muito de música pop, soul, reggae, funk, R&B...”, ressalta.

Os dotes como instrumentista renderam a ela um convite para integrar a banda da cantora Manaia, nome emergente do pop rock nacional. “Eu não havia tido essa experiência de estar num trabalho focado na indústria musical, com gravação de clipe, de single etc. E as canções são muito boas”, resume Alice.

A música, no entanto, não é a única forma de ela se expressar. Por meio da página no Facebook Pequenas Felicidades Trans, esbanja suas aptidões como cartunista, relatando, inclusive, episódios de sua vida. “Sempre gostei de quadrinhos. Aprendi a desenhar, a princípio como hobbie. Desde o ano passado, resolvi fazer tirinhas semanalmente, como uma forma de extravasar também. As pessoas se identificam, me deparei com muitas que passaram por coisas semelhantes. É legal esse retorno”, destaca.

 

Grupo baiano de batucada é formado por pessoas trans

Nascido em Salvador há quase dois anos, o grupo Transbatukada é formado por um grupo de homens trans, mulheres trans, travestis e não binários. Entre os pontos altos de sua trajetória está uma apresentação ao lado de Linn da Quebrada, na praça Santa Tereza Batista, no Pelourinho, em 2017.

A junção de arte e ativismo é o que move o grupo. “Desde que o mundo é mundo, a arte é um instrumento potente da resistência, perpassa todas essas barreiras sociais, nos dá mais margem para dialogar”, ressalta um de seus componentes, Dante Freire, 25, homem trans.

“O empoderamento, o ato de levantar a bandeira é uma ‘demarcação’ necessária. E o papel da Transbatukada é esse. E resistir sendo corpos marginalizados”, completa.

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