Entrevista

Um acervo que ganha vida

José Ricardo Miranda novo diretor do Museu da Imagem e do Som (ex-Crav)

Por Daniel Oliveira
Publicado em 01 de março de 2015 | 03:00
 
 
 
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Pesquisador com doutorado na área de restauro e preservação audiovisual, José Ricardo Miranda assume a direção do ex-Crav no momento em que o órgão passa a se denominar Museu da Imagem e do Som e ganha um braço exibidor com a abertura do Cine Santa Tereza em agosto. Abaixo, ele fala sobre essas mudanças, os desafios que elas trazem e a importância da digitalização.

Como pesquisador, você já tinha contato com o Crav antes?

Sim, fiz um longa-metragem chamado “Eu é Geraldo”, sobre o José Geraldo Santos Pereira, mineiro que fez o primeiro filme em cores do Brasil. E descobri que havia algumas obras dele no Crav. Foi um contato que foi se estendendo, conheci algumas pessoas lá dentro, e descambou em um projeto de restauro de um filme dele que acabou não se concretizando. Por sinal, o Geraldo, infelizmente, faleceu na última segunda-feira.

E por que o Crav virou o Museu da Imagem do Som e o que muda com a nova denominação?

A diretriz do Crav sempre foi se expandir para um Museu da Imagem e do Som, por dois motivos. Primeiro porque, ao se tornar o MIS, ele ganha um espaço de exibição, que é o Cine Santa Tereza, um espaço histórico na cidade. E, ao fazer isso, museologicamente, a gente fecha um círculo. Porque, quando se pensa em preservação audiovisual, tende-se a pensar que o objetivo é a salvaguarda apenas. Mas, na verdade, ela só se concretiza na exibição, na difusão, e esse é um dos elementos principais que se fecham aqui. O Crav só cumpre a função dele ao se tornar MIS. O casarão na Álvares Cabral continua com seu trabalho de acervo e preservação, e o Cine Santa Tereza vai servir para a difusão de todo esse material que está ali, muitas vezes num formato difícil de acessar.

Qual o desafio de assumir a direção do MIS nesse momento?

É exatamente como possibilitar esse acesso. Como fazer esse lugar ficar interessante. Porque, de certa forma, ele é um museu. Mas não está atrelado à lógica tradicional da museologia. É um museu em constante alteração, ele agrega a narrativa errante do audiovisual.

Por muito tempo, o Crav viveu sob ameaça de fechamento. Como a mudança para MIS ajuda ou não nesse cenário?

A grande questão do Crav é que havia um espaço para a salvaguarda. Mas em qualquer lugar do mundo, França, Alemanha, ele não é um lugar totalmente seguro. Sempre existe um certo medo associado à ideia do arquivo. E isso não é só por falta de dinheiro. Numa colocação poética, é “a finitude sempre próxima” do arquivo, a nossa capacidade de esquecê-lo e o medo atrelado a isso. Se estamos falando do perecível, sempre vai ter o risco inerente. Mas em um Museu da Imagem e do Som, nós vamos exibir todo tipo de filme. E isso dá uma certeza maior de continuidade. Esse medo está associado à própria natureza do material com o qual estamos trabalhando. E por isso são essenciais as instituições que protegem esses espaços.

E como vai funcionar essa parceria entre o MIS e o Cine Santa Tereza, e em que pé está a restauração e inauguração do espaço?

O CST vai ser um cinema de repertório, com exibições em 35mm e DCP, áudio digital 7.1, um projetor de vídeo e cerca de 150 lugares. A previsão de abertura é agosto, por uma série de motivos, como a questão da acústica que ainda está sendo trabalhada. E também por serem vários espaços – o cinema em cima, um café, a biblioteca embaixo e um espaço multimeios – nós ainda estamos discutindo como isso vai funcionar: quais são os interesses e as demandas, tanto na exibição de filmes quanto no acervo da biblioteca. Porque a reforma do CST foi por orçamento participativo. Então, também estamos avaliando os desejos de quem demandou, da comunidade do bairro. Isso ainda está sendo construído coletivamente. Nosso objetivo primordial é criar um diálogo e uma circulação natural de pessoas entre o Cine e o casarão na Álvares Cabral para que ele não seja um espaço apenas de exibição de filmes, mas do desejo de conhecer mais sobre eles.

Como vai ser a programação do CST, e no que ela vai diferenciar de espaços como o Humberto Mauro e o Cine Palladium?

Ela vai ser pautada por mostras, na grande maioria delas gratuitas, como o Humberto Mauro. Mas por ser um espaço da Fundação (Municipal de Cultura), a gente quer atender à demanda que existe por um espaço de exibição do que é produzido em Minas e em BH. Isso deve ser uma mostra, que a gente espera fazer pelo menos duas vezes ao ano, dialogando a produção contemporânea com o cinema mineiro clássico, desde Humberto Mauro até o José Geraldo, Igino Bonfioli, essas figuras sagradas. Ser essa janela do cinema mineiro é um diferencial, além de dar visibilidade às realizações contempladas nos próprios editais da Fundação. Não posso dizer que vamos exibir só isso, mas é um desejo se voltar especialmente para essa produção local.

Belo Horizonte hoje tem uma defasagem grande de salas comerciais voltadas para o circuito de arte. O CST não vai poder atender a essa demanda, então?

É um desejo que também existe, mas não está definido ainda. Vai demandar todo um trâmite que eu não sei se vai ser possível. Mas há essa vontade – um horário especial, talvez. Mostras de cinema mundial e mineiro são nosso perfil – misturando o acervo do MIS com pesquisa de cópias em película e DCP no Brasil e fora dele. Suprir essa demanda comercial, a princípio, é apenas um desejo.

Além do CST, quais são os planos e perspectivas para o MIS em 2015?

Vamos continuar com nossos projetos educativos, itinerantes, nos centros culturais. A ideia é abrir o leque, não fechar. Nosso desafio é gerir todos esses projetos em todos esses espaços diferentes, dialogando com os outros museus e outros espaços da Fundação. Nós não somos apenas o Museu da Imagem e do Som. Estamos sempre em diálogo com todo esse circuito de museus, que tem sua programação própria, como o “Noturno de Museus”, em que nós vamos nos inserir e que eu estou muito empolgado de participar, passar uma noite inteira exibindo filmes.

Existe também a antiga reclamação da falta de recursos e de fomento ao audiovisual em Belo Horizonte. O MIS vai poder ajudar com isso?

Já existe dentro do MIS hoje um edital para incentivo à produção documental, intimamente ligado à cidade. Porque isso é necessário. Mas uma das grandes dificuldades iniciais é um espaço para se ver, de encontro dessas pessoas, de mostrar o trabalho. E falando em recursos, algo a se discutir é talvez fazer bilheteria para os cineastas mineiros. Por que não? Nosso desejo é que o CST se instaure como um espaço diferenciado nesse sentido, de um diálogo bem próximo e uma possibilidade de construção junto ao universo do audiovisual, e não apesar dele.

E como fica o acervo do MIS, e seu papel de restauração e preservação, nesse cenário de uma digitalização rápida e irreversível, e do desaparecimento de laboratórios?

Ainda é o cenário chave. Se não existe o casarão da Álvares Cabral, não tem o que se exibir no CST – digo a longo prazo mesmo, onde vai se guardar o que está sendo produzido hoje? A digitalização é irreversível e essencial. Uma ideia é disponibilizarmos ilhas na biblioteca com nosso acervo todo digitalizado para as pessoas acessarem diretamente, sem ter que pedir cópia, deslocar-se. Mas isso é para o futuro. Grande parte do acervo, de TV, fotografias, tridimensional, ainda está sendo levantada. O objetivo é digitalizar mesmo para poder dar acesso a ele com mais facilidade. Preservar isso sem precisar acessar a película o tempo todo – porque ela em breve vai virar peça de museu. O restauro também ainda é algo para o futuro. E a questão é o quanto a gente vai conseguir restaurar porque há muitos filmes que não têm mais salvação. E o objetivo agora é não deixar que isso aconteça com os outros. O que isso demanda é gente, técnicos especializados. E isso nós temos desde o concurso passado.

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