“Pulsos e camadas sutis que se acumulam, como um pano de fundo misterioso, uma camada de suspense que é liderada por um ponto minimalista, sinuoso, causando uma sensação estranha, um ritmo deslizante, solto, um tanto imprevisível”. Com essas palavras, o pesquisador e jornalista Gabriel Albuquerque, natural do Recife, procura desvendar a marca de um gênero que, não raro, é tachado de pobre, violento e pornográfico. 

“O funk mineiro tem um toque espacial, evanescente, atmosférico e fragmentado. Eu diria que é um funk espectral”, completa Albuquerque, que faz referência ao uso de um beat (andamento rítmico) conhecido pelo nome de “panela”, “latinha” ou “garrafa”, em músicas como “Viciei Nessa Garota”, de MC Dennin, “Nóis É Bandido Vida Loka”, de MC L da Vinte, e “Bota Tudo Nela”, de MC Kaio, expoentes da nova cena belo-horizontina. 

O recurso é o responsável por produzir um som mais agudo, que o diferencia dos graves consagrados pelo “tamborzão” do funk carioca. Para chegar a esse resultado, outra estratégia é utilizar ruídos de vidros quebrados. “A arquitetura sonora dos DJs de BH é muito singular. Em vez de acelerar o bpm (batidas por minuto), como no Rio, os mineiros trabalham com levadas mais lentas e investem na atmosfera”, destaca Albuquerque.

Bailes. Coordenador do Centro Cultural Lá da Favelinha, o músico, poeta e professor Kdu dos Anjos aponta outro diferencial no cenário. “O nosso baile aqui da Serra é o único no Brasil que tem alvará”, diz. Além do tradicional baile na Quadra do Vilarinho, em Venda Nova, outros têm ganhado notoriedade. Concórdia, Morro das Pedras e Taquaril recebem com frequência as festas e já foram até cantados em músicas. “Começou essa onda antropológica, de falar o endereço dos bailes. O MC Delano é um que faz muito isso”, observa Dos Anjos, que celebra a transposição de muros territoriais antes intransponíveis.

A boate DDuck é uma que abre a casa para o ritmo todas as segundas-feiras dos meses de férias. Já na última edição do Breve Festival, um palco foi dedicado para a dança do passinho, com os integrantes do coletivo Disputa Nervosa. “É o evento de passinho mais organizado do país, tanto que o pessoal do Rio, que inventou tudo isso, nos admira”, orgulha-se Dos Anjos. O fato é mais um revelador da força do gênero na capital. E não está isolado. Há um ano foi criado, no aglomerado da Serra, o Observatório do Funk. Fundado por advogados populares, jornalistas e produtores culturais, ele promove rodas de conversa que debatem temas como “mídia, funk e favela”. 

Uma das idealizadoras da iniciativa, a advogada Maíra Neiva enaltece, justamente, um dos aspectos mais atacados do funk: as letras. “O funk costuma dialogar com a realidade social histórica. Hoje, devido ao crescimento das forças conservadoras, o funk com temática sexual tem sido a vertente mais difundida no país”, afiança Maíra, que não enxerga falta de consciência crítica nesse discurso. “Há uma presença muito forte de denúncias, em tom de ironia, da segregação espacial, do racismo, como se observa nas letras do MC Rick do Morro do Papagaio”, avalia. Albuquerque corrobora a tese. “Esse funk não trata de uma sexualidade apenas cosmética ou objetiva. Os corpos são também campos de batalhas políticas”, conclui. 

Sucesso nacional

Não é apenas de pesquisadores e jornalistas que o funk produzido nas Gerais tem chamado atenção e despertado curiosidade. O público foi quem mais comprou a ideia. Uma prova é o sucesso nacional alcançado por MC Papo e MC Delano, graças aos hits “Piriguete” (2006) e “Na Ponta Ela Fica” (2015). Nascido numa família de músicos, Delano começou a carreira tocando na Escola de Samba Cidade Jardim, o que influenciou sua passagem para o funk.

O fato de tocar vários instrumentos o ajudou. “Quando criei a melodia de ‘Na Ponta Ela Fica’, era um pagode, só que o reggaeton estava em alta, aí resolvi misturar. Acho que ela fez sucesso porque é um funk com tantã, baixo e cavaquinho, uma parada que não existia”, acredita Delano. Já MC Papo ressalta a importância do gênero nas periferias. “O funk pode ser visto como uma foto ou um espelho da juventude, mas também como megafone. Ele dá voz para aqueles que nunca são ouvidos”, assegura o artista.