Pátio dos Milagres, Recanto das Maravilhas e Paraíso das Maravilhas eram alguns dos apelidos pelos quais o Parque Municipal Américo Renné Giannetti era conhecido nos anos 40. Não eram nomes difundidos entre a população em geral, mas usados por um grupo específico.
Se durante o dia o parque era local de lazer da elite belo-horizontina, espaço de passeio e locomoção, à noite ele servia a “encontros amorosos diversos”, entre homens homossexuais e outros que por vezes eram casados com mulheres, mas mantinham uma espécie de “vida dupla”.
Lá, aliás, foi onde ocorreu o primeiro crime com motivações homofóbicas de Belo Horizonte, quando, em 1946, Luiz Gonçalves Delgado foi assassinado – o fato demorou dez anos para ser desvendado. A história é contada no livro “Paraíso das Maravilhas”, de Luiz Morando, e a obra, por sua vez, é uma das referências que ajudaram a moldar o espetáculo “Projeto Maravilhas”, em cartaz na Funarte.
O projeto tem origem na experiência dos atores Aisha Brunno, Bremmer Guimarães, Igor Leal e Pedro Henrique Pedrosa, quando trabalharam juntos durante a montagem de “PassAarão”, espetáculo de rua do Grupo Espanca. Inspirados pelo processo de trabalhar o entorno da sede do Espanca – viaduto Santa Tereza, praça da Estação, ruas Sapucaí e Aarão Reis –, eles, que são gays, se propuseram a mergulhar na relação entre arte e cidade, com foco nas masculinidades e nas homoafetividades, em seus diferentes territórios.
“Eles quiseram colocar sua sexualidade como ponto central das discussões, a relação dos seus corpos com a cidade”, explica Cláudio Dias (Cia. Luna Lunera), que assina a direção da peça. “Seu nome é ‘Projeto’ no sentido de que busca construir alguma coisa, um lugar utópico. Um jardim em que o respeito à diversidade, entendido como a igualdade de direitos, é buscado, um espaço que é um lugar ideal para todos”, define.
Referências
Para dar início ao processo, atores e diretor partiram dos universos particulares de cada um, improvisando a partir das experiências desde o jardim de infância, como se descobrem, percebem a sexualidade e passam a se relacionar com isso. Depois, eles trabalharam o modo como cada um “saiu do armário”, as buscas por como ser quem você é e as relações desses corpos com a cidade: a busca por encontros, as idas a banheiros de shoppings, onde ocorrem relações entre homens gays e não gays e tudo o que permeia isso. E também as saunas que existem na cidade e sobre as quais muita gente, inclusive, não sabe.
“Várias delas, inclusive, ficam em ruas com nomes de índios, como Tupis, Guaicurus, Oiapoque, Guajajaras”, observa Dias. “E daí acabamos descobrindo que as formas de relação sexual eram bem diferentes do que entendemos entre os indígenas, e os jesuítas matavam índios gays com canhões como forma de punição exemplar”. Depois de muito material levantado, Marcos Coletta (Quatroloscinco Teatro do Comum) foi o responsável por costurar tudo na dramaturgia.
Em cartaz desde o fim de semana das eleições, o espetáculo ganha, na opinião do diretor, contornos mais contundentes com o cenário que se formou. “É um momento crítico que faz com que a peça ganhe mais sentido e mais força, como lugar de artivismo (arte + ativismo), de luta e de reflexão pra que a gente possa continuar e seguir. Faz todo o sentido estar com o espetáculo neste exato momento, para afirmar as conquistas já adquiridas. Falta muito, mas o pouco que se ganhou é importante, e é necessária sua permanência, para se buscar justamente construir um lugar em que possam florescer marcos importantes para a sociedade, em termos de convivência e de diálogo”, conclui.
Serviço
“Projeto Maravilhas”. Funarte MG (r. Januária, 68, centro). Sábado (3) e domingo (4), e de 8 a 11. Quinta a domingo, às 20h. R$ 20 (inteira).