Música

Vozes do Brasil que se erguem por Marielle Franco

Antônio Nóbrega, Marina Íris e Maria Bethânia lançam álbuns com homenagens à vereadora, assassinada em 2018

Por Raphael Vidigal
Publicado em 28 de dezembro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Marina Íris, 35, estava ao lado de Marielle Franco (1979-2018) durante a campanha que a elegeu à Câmara Municipal do Rio de Janeiro pelo PSOL, em 2016, com mais de 46 mil votos. Já o pernambucano Antônio Nóbrega, 67, estava em frente à TV quando o assassinato da vereadora foi anunciado, em março de 2018, em crime ainda hoje não elucidado. Maria Bethânia, por sua vez, lançou, no início do mês, o álbum “Mangueira: A Menina dos Meus Olhos”, onde regravou o samba-enredo vencedor de 2019, “História pra Ninar Gente Grande”, que enaltece o legado de Marielle. A carioca é, pois, o denominador comum a três projetos de calibre.

O citado samba-enredo foi interpretado também por Marina Íris em uma sessão solene na Câmara dos Deputados, em Brasília, em março, um ano após a morte de Marielle. E, agora, também entra como uma das faixas de “Voz Bandeira”, seu terceiro disco, dedicado à vereadora que ajudou a eleger, mas que ficou apenas um ano e dois meses no cargo. “O disco é também uma pergunta. A mando de quem Marielle foi morta? E por que? Ela se tornou uma referência da militância da mulher negra e LGBT na favela. No parlamento, representava várias vozes. Não é possível que o Estado não saiba responder a algo que atinge tantas pessoas”, protesta Marina.

A cantora observa que “o que aconteceu com a Marielle não pode acontecer com ninguém, mas, no caso dela, tem o valor e propósito da violência política”. “É uma ataque à democracia porque, quando uma representante da minoria é alçada ao poder, ela tem a sua vida ceifada”, afirma. As indignações perpassam as 11 faixas de “Voz Bandeira”, que, inicialmente, teria outro título. O trabalho se chamaria “Deusa da Lua”, dentro da proposta de soar como uma espécie de continuação do antecessor, “Rueira” (2018), sobre “a mulher que reivindica a rua e vive a cidade plenamente”, informa Íris. 

Por sugestão do carnavalesco Leandro Vieira, da Mangueira, o CD foi rebatizado. “O Leandro vê na minha voz inúmeras outras vozes, e o nome veio para sintetizar essa proposta, de uma ancestralidade que aponta para o futuro, da mulher que vive esse tempo e que, cada vez mais, toma para si o protagonismo e carrega muitas bandeiras”, completa a intérprete, que garante que “engajamento e música não se separam” em sua obra. Por sugestão de Márcio Debellian, diretor do documentário “Fevereiros” e idealizador do projeto “Joia ao Vivo” ao lado do DJ Zé Pedro, Íris resolveu unir a esse caldo a literatura, inserindo declamações no álbum.

Formada em letras pela Universidade do Estado do Rio (Uerj), ela foi professora estadual e conheceu, na graduação, “a parceira de luta” Manu da Cuíca, que assina quatro faixas no disco. O trabalho ainda tem participações das escritoras Elisa Lucinda, Conceição Evaristo, Ana Maria Gonçalves (nas citadas declamações) e das cantoras Fabiana Cozza, Leci Brandão e Marcelle Motta.

Com um repertório contemporâneo em mãos, a anfitriã resolveu regravar “Onze Fitas”, de Fátima Guedes, cantada por Elis Regina em 1980. “Onze tiros fizeram a avaria/ E o morto já estava conformado/ Onze tiros e não sei porque tantos/ Esses tempos não tão pra ninharia”, dizem os versos. “Estamos em um momento de banalização da vida, é uma luta cruel, e não existe nada para superar isso, apenas pirotecnia. É alarmante que uma família seja fuzilada com 80 tiros, e cinco jovens acabem mortos com 111 disparos. O belicismo parece aterrador”, diz Marina Íris, citando outros casos recentes de crimes no país. 

Grito. “Quem mandou matar Marielle?”, o questionamento que se tornou um emblema contra a impunidade, aparece em “Rima”, o primeiro álbum de Nóbrega em 12 anos. Parceria com Wilson Freire, a canção indaga: “Com a resistência dos gays, pardos, pretos e índios/ Escreveu a sua história, Brasil/ Pátria que te pariu, pergunta, já à flor da pele/ Quem mandou matar Marielle?”.

“Estamos ficando tão acostumados a fatos dessa natureza que a gente, às vezes, releva. Esse acontecimento sempre me indignou de maneira intensa”, declara Nóbrega. “Quando as suspeitas se aproximam da alta cúpula do governo, a impressão é que surgem manobras para postergar o esclarecimento. Temos mais razões para pressionar”, diz. Ao longo de dez faixas, o artista e músico ainda cita os crimes ambientais da mineradora Vale em Brumadinho e Mariana. “São tempos tristes. Por falta de olhar para as populações periféricas, essas tragédias se repetem”, conclui. 

“Rima”, de Antônio Nóbrega, é o primeiro álbum do artista pernambucano em 12 anos e traz dez faixas inéditas e autorais, entre elas “Minha Voz Não Silencia Porque Poeta Não Cala”, com Wilson Freire. 

“Voz Bandeira”, de Marina Íris, é o terceiro disco de carreira da cantora carioca e apresenta 11 faixas inéditas, entre elas “Pra Matar Preconceito”, de Manu da Cuíca e Raul DiCaprio. 

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