Marcelo D2 atende a chamada de vídeo, pede licença e pega o fone de ouvido. “Só um momento, parceiro”, diz, em inconfundível sotaque carioca. São 10h de terça-feira, e ele está em uma casa alugada na Região Serrana do Rio de Janeiro, perto de Petrópolis. Das 14h às 22h, ele apresenta, desde o dia 14, o Roda Cultural (detalhes ao fim da matéria), festival online que reúne mostra de cinema, bate-papos com convidados, shows e sets de DJs em seu canal na plataforma Twitch. O evento termina neste domingo (23), e parte dele é dedicada às sessões de estúdio ao vivo. É aí que D2 compartilha com o público a produção do seu próximo disco.
“Assim Tocam os Meus Tambores: Volume 2” será lançado no início de julho. A primeira etapa do projeto, que pretende ser uma trilogia, foi criada de julho a agosto – e lançada em setembro – de 2020 na casa de D2, no Rio, de forma totalmente colaborativa e online. “As pessoas falavam ‘chama o Russo Passapusso, chama o Criolo’, mandavam bases. Eu fui regido”, ele conta. Juçara Marçal, Djonga, Baco Exu do Blues e Jorge Du Peixe são alguns dos parceiros na parte inicial da empreitada.
Agora, o músico diz que ele e os produtores, todos testados para a Covid-19, vão conduzir o álbum. “Estava muito difícil fazer online, demora dias. Aí você quer mudar um arranjo… Vamos sair daqui com quase tudo pronto pra finalizar”, comenta.
O processo de troca com o público tem sido interessante, e Marcelo D2 tinha necessidade de dar continuidade ao projeto. Como se tivesse um quadro inacabado à sua frente, ele resolveu pintar traços que remontam à sua ancestralidade e às raízes populares da cultura brasileira. Esse interesse não vem de agora. “Eu Tiro É Onda”, disco que marcou sua estreia solo, em 1998, foi o começo de tudo, mas D2 nunca se aprofundou nesses temas como conceitos para um disco.
“Comecei a pensar na ideia de passado, e me veio a coisa da ancestralidade. Percebi que não quer dizer antigo; o passado está agora em mim, na músia que eu ouço e faço, no meu jeito de pensar, no prato de comida que eu como”, pontua o artista.
Enquanto mergulhava nos seus antepassados, na espiritualidade e na mistura entre samba, rap e ritmos e elementos da música e das religiões afro-brasileiras, Marcelo D2 perdeu a mãe. Paulete Peixoto faleceu em fevereiro, e o baque fez com que ele fosse ainda mais fundo nesse processo de autoconhecimento e busca de respostas. “Mesmo se eu estivesse compondo sobre outras coisas, a passagem dela já ia me impactar. Escrevendo sobre ancestralidade então… Já escrevi muita coisa, e ela está muito presente. Vamos ver como vai ficar”, comenta D2.
“Assim Tocam os Meus Tambores: Volume 2” será lançado um mês antes do nascimento de Maria Isabel, a Bebel, sua filha com Luiza Machado, com quem se casou há pouco mais de um ano. Pai de Stephan, Lourdes, Luca e Maria Joana, o compositor, avô de Giovanna e Calki, só quer celebrar a vida, sobretudo neste período pandêmico de tantas perdas: “A vida é muito linda. As coisas acontecem de uma maneira tão louca, enquanto uns partem, outros chegam. É uma bênção isso tudo”.
Aos 53 anos, D2 diz ter aprendido que o tempo é o senhor de tudo. Tem até uma música no disco sobre isso. Outro dia, ele escutou uma frase do escritor, compositor e historiador Luiz Antônio Simas: “Ele fala que tem urgência do tempo lento. Adorei isso, é o que eu estou querendo agora. Sou um cara ansioso, mas também quero que as coisas tenham seu tempo. O tempo traz cura, sabedoria. É o dono da casa”.
Com Simas, D2 escreveu três letras para o novo álbum. Segundo o músico, o que as pessoas vão ouvir é uma sonoridade completamente diferente de tudo que ele já fez. Vai ter rap, ele antecipa, embora ainda não tenha feito um especialmente para o disco. “Podem me esperar cantando bastante”, afirma. “Estou acostumado a pegar elementos do samba e misturar no meu rap, mas, diferentemente do que venho fazendo nesses anos de carreira solo, agora ei inverti: estou fazendo samba com influência do rap”, finaliza Marcelo D2.
Planet Hemp: vinte anos de um marco ao vivo
Há exatas duas décadas, em 16 de maio de 2001, D2, BNegão, Rafael Crespo, Formigão e Pedro Garcia subiram ao palco do Directv Music Hall, em São Paulo. O “MTV ao Vivo Planet Hemp”, lançado em dezembro, é o último disco da banda, que se separou naquele mesmo ano. Antes da dissolução do grupo, os integrantes acharam por bem deixar um registro ao vivo, o único deles: “Amo os discos do Planet, a banda é muito boa no estúdio, mas no palco não tem igual. É uma porrada. Tenho 25 anos de carreira, toquei com todo mundo, mas o palco do Planet é uma coisa inacreditável”, diz D2, que, a partir de 2010, reencontrou os integrantes da banda em turnês esporádicas nos últimos 10 anos.
No entanto, no início da pandemia, o Planet Hemp estava preparando um novo álbum de estúdio, mas os assuntos ficaram pesados demais, e eles resolveram dar um tempo para retomar o projeto em outro momento. Até porque, como sublinha D2, o grupo precisa de palco. Uma das bandas mais importantes e criativas surgidas na música brasileira dos últimos 30 anos, o Planet Hemp fazia um som que mesclava hip-hop, hardcore, samba, punk e psicodelia para falar de legalização da maconha, violência policial, política, abismos sociais e um Rio de Janeiro caótico, “cidade desespero”. Existe o Rio da bossa nova e o Rio que a banda canta em “Zerovinteum”, que faz referência ao número de mortos na chacina de Vigário Geral, em agosto de 1993.
Marcelo D2 tem um orgulho imenso do Planet Hemp e dos 20 anos daquele disco. Ao mesmo tempo, sente tristeza ao ver que “o Brasil está vivendo agora o que o Rio passa há 30 anos: domínio da milícia, corrupção, violência como forma de governo e matança”. “Se não for tomada uma providência, o Brasil vai para o fundo do poço como o Rio de Janeiro está”, alerta o músico.
Roda Cultural
Sábado e domingo, Marcelo D2 continua apresentando, ao lado de Luiza Machado, o Roda Cultural em seu canal na Twitch. Entre os destaques da programação do fim de semana estão o bate-papo com Luiz Antônio Simas, sessões de estúdio de “Assim Tocam Os Meus Tambores: Volume 2”, sets do Dj Nutz e exibições dos filmes “Skate Pelas Sombras”, do fotógrafo Ronaldo Land. Detalhes e agenda completa estão nas redes sociais (Instagram e Twitter) do cantor.