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Marcelo Quintanilha aposta na mistura entre o popular e o erudito

Como o próprio nome do projeto indica, EruDito tem como conceito o “clássico versado, e reúne melodias eruditas que já fazem parte da nossa memória afetiva

Por Patrícia Cassese
Publicado em 05 de dezembro de 2020 | 10:00
 
 
 
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Já há algum tempo, a canção “Céu de Santo Amaro”, de Flavio Venturini, concebida a partir de uma Cantata de Bach, começou a se fazer presente tanto nos shows da cantora Vania Abreu quanto em rodas de amigos, quando ela, o marido, Marcelo Quintaninha, e convidados se reuniam para tocar e cantar descompromissadamente.

Há uns dois anos, encantado com a canção, Marcelo foi pesquisar se mais compositores tinham se arriscado nessa aventura de escrever para melodias de obras eruditas. "E, para minha surpresa, quase ninguém o tinha feito. Veio, então, a ideia então de escolher obras (num primeiro momento seriam só peças de Bach, meu compositor clássico preferido) para letrar".

Surgiu, assim, o embrião de "EruDito", disco que tem como conceito o “clássico versado”, e que reúne melodias eruditas que fazem parte da memória afetiva de muita gente. Marcelo Quintanilha 11 letras para melodias de dez compositores clássicos: Bach, Vivaldi, Mozart, Beethoven, Schubert, Schumann, Chopin, Brahms, Tchaikovsky e Claude Debussy. Com direção artística de Luca Raele e Camilo Carrara, o álbum completo tem previsão de lançamento para 2021 por meio do selo Yb Music, mas alguns singles já vêm sendo lançados no mercado:  caso de "Três Sinais", composta a partir do Improviso Op. 90 n˚3, de Schubert, e que conta com a participação especial de Mônica Salmaso.

Mas o primeiro single foi "Nem Pais Nem Paz", construído a partir do Poco Allegretto da Terceira Sinfonia de Brahms, que conta com a participação do Padre Fábio de Melo. Agora, ele lança "Bem Me Quer", a partir da Abertura Romeu & Julieta, de Tchaikovsky, com a participação de Virgínia Rodrigues. E para janeiro, teremos "Carnaval de Viena", a partir do Intermezzo do Carnaval de Viena Op. 26, de Schumann, com Daniela Mercury.

Toda a pesquisa, escolha de repertório, conceito musical e arranjos foram feitos a seis mãos, por Camilo Carrara, Luca Raele e o próprio Quintanilha. "Comecei fazendo uma letra para a Aria da Suite n˚3 BWV 1068, e resolvi ampliar o espectro de compositores quando afinal me surgiu o conceito fundamental que queria imprimir no trabalho: o de fazer uma ponte entre a música clássica e a canção popular. Acredito que 'EruDito' possa se tornar um canal de aproximação de um público mais amplo, sem contato com a música clássica, pelo poder do verso. Canções têm essa facilidade maior de serem decoradas e reconhecidas por sua linguagem verbal. Quero contribuir com esse álbum para que atenção à música clássica se desperte em quem não tinha acesso ou interesse nela, sendo ainda um novo canal de curiosidade e possibilidades de percepcão para os que já tinham o erudito em seu universo de escolhas", narra.

As músicas têm como base um quarteto formado por Marcelo Quintanilha (voz e violões); Camilo Carrara (violões, bandolim e guitarra), Luca Raele (piano e clarinete) e Danilo Vianna (baixo acústico), além da participação de Peu Del Rey e Danilo Moura (percussão) e Edmilson Capelupi (violão 7 cordas) em duas faixas.  Melodicamente, o disco passa pela bossa-nova, moda de viola, marcha-rancho, samba-choro e congado. Já as letras foram compostas com respeito às melodias originais, e tratam de temas variados, do ao romântico e lírico ao social - como a questão dos refugiados. "Me sensibilizei com esse fato gigantesco, essa tragédia mundial que se agrava a cada dia. A melodia de Brahms, tão linda, tinha para mim uma boa carga de tristeza nela. Me sugeriu falar da humanidade, tão linda e triste quanto. Das imigrações eternas que sempre atravessamos, porque afinal, sempre fomos e seremos nômades. A terra é de todos, e de ninguém. Países são convenções, fronteiras e bandeiras também. E penso que a arte serve para criar pontes e destruir muros", pontua.

No geral, ele expõe que cada letra foi um processo criativo lento, demorado e muito lapidado, "pois eu queria fazer o melhor possível para que o texto poético fizesse jus à essas melodias tão maravilhosas". "Respeitamos métrica, prosódias (e para isso a curadoria de Luca Raele foi imprescindível) e, quando o nome da peça sugeria um tema, este também foi respeitado (como no caso de Inverso, Sonhos e Noturno)".

Já "Três Sinais", que tem a participação de Mônica Salmaso sobre um improviso de Schubert, retrata a humanidade do artista. "Este ser, ora ovacionado pela grande massa, ora exposto em praça pública por quem não consegue diferenciar a pessoa de sua arte; e ora menosprezado por desgovernos fascistas que têm medo do seu poder (assim como têm do poder da ciência). A canção é uma ode ao artista, sim. Principalmente ao artista brasileiro, em tempos de pandemia e ideologias estúpidas".

Aliás, sobre a pandemia, ele reconhece que o advento do novo coronavírus atrasou o cronograma do disco. "Trabalhamos durante 2019 inteiro no projeto. Primeiro para compor as letras, (esse um trabalho muito pessoal e tão desgastante quanto gratificante), depois pensar nos arranjos, gravacões, participacões e etc… Teríamos lançado no início do segundo semestre de 2020, para começarmos com os shows ao vivo logo na sequência, mas de alguma maneira o período de pandemia serviu para maturarmos ainda mais as 11 canções e lapidá-las ao máximo", diz ele. 

Três perguntas para Marcelo Quintanilha
Gostaria que falasse sobre a participação dos convidados... Ninguém melhor para dar voz com propriedade a este tema tão humano da canção “Nem País Nem Paz” quanto meu amigo Padre Fabio de Melo. Ninguém melhor para representar a voz do artista brasileiro que prima pela qualidade e brasilidade da nossa música do que Mônica Salmaso. Ninguém melhor para personalizar com seu timbre singular as diversas pontes deste álbum, principalmente a o erudito ao popular, do que Virginia Rodrigues. E ninguém melhor para homenagear poeticamente o carnaval, ainda mais quando este não vai acontecer, do que a rainha Daniela Mercury.

Qual a sua relação com a música mineira? E com Minas, de maneira mais ampla? Já se apresentou aqui? Admira o trabalho de alguém em particular? Infelizmente nunca me apresentei em Minas, mas ainda está em tempo! Felizmente, a música mineira sempre se apresentou a mim e em mim, com Milton Nascimento e todo o Clube da Esquina e tantos e tantos outros nomes. Flavio Venturini, como disse, foi minha inspiração com sua ‘Céu de Santo Amaro”. Padre Fabio é mineiro e canta comigo. E a escola de harmonização nos emprestou também seu toque nos nossos novos arranjos para o EruDito.

Como estão seus sentimentos em meio a uma pandemia, um cenário desalentador, com a possibilidade de uma nova onda, e com tantos mortos? E o que espera para o próximo ano? Estamos todos numa gangorra de emoções (individual e socialmente falando). Medo, tristeza, desalento, reflexões, resignificações, mudanças, aprendizados e esperança. Que os três últimos, espero, tenham mais espaço no ano que vem. Só assim isso tudo vai ter servido para algo. Ao meu ver, é isso que o planeta espera de nós. É isso que o planeta está nos avisando.

 

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