O Circuito Cultural UFMG retoma nesta quarta-feira a sua temporada semestral de espetáculos, trazendo, como atração - a ser exibida às 19h, no YouTube -  a Mimulus Cia de Dança, com  dois trabalhos: "O Que Não Tem Fim" e "Por Um Fio". Vale dizer que a apresentação é gratuita e o vídeo ficará disponível no canal, após a transmissão. Em entrevista ao Magazine, Jomar Mesquita, fundador e diretor artístico da Mimulus, conta que trata-se de dois trabalhos previamente gravados. O primeiro, aliás, já gestado sob a égide da pandemia do novo coronavírus. "Não é um trabalho para o palco, já foi feito para o vídeo, e fala muito desse momento de angústia, desse período no qual o nosso espaço, o galpão no qual a gente trabalha, ficou fechado. A gente até reabriu no final de ano, no final de outubro, mas em janeiro, paramos, depois voltamos, e agora está fechado novamente. Então, é um trabalho que fala também desse espaço, desse galpão cujas paredes estão literalmente impregnadas de história, neste percurso como escola e companhia, já que as duas instituições funcionam ali, no mesmo local".

Já de "Por Um Fio", é um apanhado - no estilo "melhores imagens" - do espetáculo que estreou em 2009, inspirado na trajetória de Arthur Bispo do Rosário. "A montagem tem originalmente 65 minutos, então, não dava para apresentar na íntegra, já que o Circuito tem uma média de duração de 30 minutos", explana Jomar. E por quê a escolha desses dois, um seguido do outro?  "A gente colocou em sequência como uma forma de contrastar, mostrar dois momentos distintos da companhia. Penso que a maior parte dos artistas - claro, não todos - vão ter seus trabalhos divididos históricamente entre antes e pós-pandemia. Bem, pode parecer estranho pode falar disso (referindo-se ao uso do "pós"), mas a verdade é que já se delineia um cenário que vai ser diferente, querendo ou não , da forma como a gente sempre trabalhava antes. Então, é uma forma que a gente quis fazer para mostrar isso, dois cenários completamente diferentes, e os dois ali, em vídeo, gravados. Mas um já feito para vídeo, sem público", distingue ele.

O vídeo de "Por Um Fio" por seu turno, foi registrado de uma apresentação presencial, gravada Ted Shawn Theatre, durante o Jacob's Pillow. "Um dos mais antigos festivais de dança dos Estados Unidos, quiçá do mundo, e que já teve mais de 80 edições. Ali, a gente já levou três, quatro trabalhos, em ocasiões diferentes. E um deles foi 'Por Um Fio'. Essa gravação foi feita lá em 2011 e 2012, se não me engano". Jomar Mesquita salienta que "Por Um Fio" é uma montagem bastante significativa e emblemática para a Mimulus. "Tanto que continua no nosso repertório. Já circulou por vários países, como Estados Unidos, Portugal, França, Bélgica e Itália, e também, claro, aqui, no Brasil, em  diversas cidades. E é um espetáculo que toca muito em um ponto que tem a ver com a angústia, a inquietação, porque fala da obra do Arthur Bispo, que era esquizofrênico, viveu isolado, enclausurado, durante 50 anos de sua vida, numa instituição para tratamento de doentes mentais. Onde, aliás, produziu sua obra. Então, fala muito do confinamento, do isolamento, já que a obra do Bispo foi criada desta forma. É muito, muito atual".

Perguntando sobre os tempos de pandemia, Jomar Mesquita frisa que tanto a escola quanto a companhia resistem bravamente, no espaço alugado há mais de 30 anos. "Ano passado, marcou os 30 anos da escola e 28 anos da companhia. Seguimos com nossos porjetos, a gente teve que se reinventar. Já era um projeto antigo fazer a Mimulus Digital, estava na gaveta, mas, com a pandemia, a gente acelerou. Quando as aulas presenciais voltarem, vamos manter os dois formatos, é algo que veio pra ficar. Hoje, temos diversas opções, até com professores de outras cidades, e com a vantagem de a gente poder atingir alunos de outras cidades e países também".

Mas ele faz uma ressalva: "Falando assim parece que está tudo muito bem, mas, na verdade, a gente está conseguindo, com essas estratégias, manter de 20 a 30% da nossa receita normal, então, estamos numa luta insana para resistir, segurar, até a situação voltar minimamente. Tivemos que cortar várias despesas, vários projetos, itens do nosso orçamento. Estamos sobrevivendo no prejuízo já há vários meses", diz ele. Quanto à companhia, Jomar conta que, com a pandemia, veio a necessidade de readequar vários compromissos. "Ano passado, a gente tinha uma turnê na França, em dezembro. Também  tínhamos uma temporada no teatro Alpha, em São Paulo, e um festival super importante em Brasília, mais Goiânia... E, claro, tudo foi suspenso, adiado, sabe-se lá para quando". 

Na verdade, a turnê da França foi adiada para dezembro deste ano. "Está entre aspas confirmada, mas hoje (ontem), por exemplo,  vem a notícia que a França suspendeu todo os voos do Brasil, enfim, por causa do que estamos vivendo aqui. Vamos ver se até dezembro  vai mudar, apesar de que não dá para decidir isso em cima da hora. Mas as temporadas europeias estão sendo lançadas agora, em abril, maio, como sempre fazem, e a Mimulus está lá, incluída". No mais, a companhia gente segue trabalhando numa nova criação, com muitas novidades. "Primeiro que vai ser o primeiri trabalho da nossa história feito para vídeo. Esse, 'O Que Não tem Fim' é um trabalho curto, de 14 minutos, agora, estamos trabalhando numa criação mais longa, deve ficar entre 45 e 50 minutos - vamos estrear em partes, inclusive, lançar uma primeira, de cerca de 15 minutos, depois uma segunda e, ao fim, apresentar em vídeo, de forma online, toda a criação. Futuramente a gente pensa em adaptá-la ao presencial também, mas é uma ciração pensada no formato audiovisual".

Uma outra mudança é que Jomar vai dançar, mas não será o diretor. "A gente convidou o Rodrigo de Castro, que é um bailarino bem antigo da companhia, meu parceiro em criações que fiz para outros grupos, e ele merecia esse lugar. Estou auxiliando ele nesta direção, mas vivendo esse lado que é muito gostos, de ser dirigido. Ele é uma pessoa super inteligente, criativo - se não, claro, nem estaria ocupando esse lugar, e está sendo muito rico viver esse momento diferente". 

". Um outro ponto é Jomar lembra que a base do trabalho da Mimulus está no dançar a dois. "E agora, de repente, a gente não pode estar mais em contato com outro. Assim, a gente  transformou isso em objeto de criação, em inspiração, e estamos fazendo um trabalho completamente diferente de tudo o que a gente já fez neste sentido. É dançar a dois, mas sem a possibilidade do contato físico. E (este desafio) está trazendo coisas muito legais, interessantes".

Além de todas as aulas da escola, que foram adaptadas para o formato online, Jomar conta que 2020 era um ano com tudo planejado para a comemoração dos 30 anos da Mimulus. Com a pandemia, o momento de colocar a trajetória em repasse também se deu por meio das lives. "Fiz mais de 80, com diversos convidados, e isso acabou virando um acervo dessas três décadas da nossa história, desses 30 anos que se confundem um pouco com a história de muitas mudanças que o universo da dança de salão passou no período. Continuo fazeedo lives, mas reduzi um pouco a frequência". Além de tudo o já listado, ele adiciona que tem aproveitado o isolamento para organizar o centro de referência, "o nosso acervo, onde está guardado todo esse material, a documentação". "Parte do nosso projeto aprovado pela Lei Aldir Blanc tem a ver com memória, esse registro dos processos artísticos, dessas mudanças da história da dança nessas últimas décadas".

 

Por último, mas não menos importante, Jomar lamenta a perda de um patrocínio importante, encerrado pela empresa em dezembro passado. "Ficamos muito chateados. Um baque muito grande para a companhia, em todos os sentidos, ainda mais neste momento difícil que todos os artistas estão vivendo", desabafa ele.

Serviço
Circuito Cultural UFMG #emcasa
Apresentação da Mimulus Cia de Dança
Quando: Nesta quarta, às 19h
Onde: no canal da Diretoria de Ação Cultural da UFMG no YouTube http://www.youtube.com/culturaufmg
Evento gratuito