História

Minas Mundo: projeto investiga o traço cosmopolita e global da cultura mineira

Recém-lançado, grupo reúne pesquisadores de diversas universidades do país e áreas de formação; legado do modernismo brasileiro é um dos eixos da pesquisa

Por Bruno Mateus
Publicado em 07 de novembro de 2020 | 07:07
 
 
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O cinema de Humberto Mauro, a prosa de Pedro Nava, Guimarães Rosa e Murilo Mendes, a poesia de Henriqueta Lisboa e Carlos Drummond de Andrade, a música popular de Milton Nascimento, Lô Borges e os meninos do Clube da Esquina, tão conectados ao que acontecia nas esquinas de Liverpool e nos recantos da América Latina. Amilcar de Castro e suas esculturas forjadas com um ferro tão mineiro, os poetas árcades da segunda metade do século XVIII, entre eles Cláudio Manoel da Costa, Manuel Inácio da Silva Alvarenga e Tomás Antônio Gonzaga.

As fotografias de Chichico Alkmim, o barroco de Aleijadinho, o ativismo pelos direitos humanos de Betinho e a experiência migratória dos mineiros pelo Brasil e pelo mundo. O encantamento que a poeta norte-americana Elizabeth Bishop sentiu nas vielas de Ouro Preto, cidade que também atraiu Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir.   

Minas, como sentenciou Guimarães Rosa, são muitas, e as tantas faces das Gerais são o ponto de partida de um projeto recém-lançado, o Minas Mundo, que busca entender o caráter cosmopolita e moderno da cultura brasileira a partir de movimentos criados ou que ganharam força em Minas ao longo dos séculos. 

O grupo reúne, até agora, 58 pesquisadores de diversas universidades brasileiras – entre elas a UFMG, a UFRJ, a Unicamp e a UFRRJ – e também da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. A condição multidisciplinar dá o tom da iniciativa: os acadêmicos e integrantes do Minas Mundo pertencem a diferentes áreas do conhecimento: da história à comunicação, passando, entre outros campos, por literatura, sociologia, antropologia, belas artes, cinema, cultura popular e ciência política.

Por que, afinal, tratar do cosmopolita e do moderno na nossa cultura tendo Minas Gerais como ponto de partida, além de congregar acadêmicos que têm o Estado como objeto de estudo? “Há algo na experiência social de Minas que favoreceu o florescimento de uma visão cosmopolita da vida, que se expressa em diferentes linguagens. Pretendemos construir uma inteligibilidade que nos aparece em várias manifestações culturais”, comenta André Botelho, professor do Departamento de Sociologia da UFRJ e um dos coordenadores do Minas Mundo.

Esse traço voltado para o global, que tem na urbanização precoce de Minas Gerais quando comparada ao restante do país uma de suas hipóteses, apareceu de forma mais clara para Botelho na literatura de Pedro Nava e na obra teórica de Silviano Santiago, mas ele ressalta que essa característica está presente em várias expressões da cultura do Estado. O pesquisador pondera, no entanto, que o projeto não se trata de um estudo sobre o regionalismo mineiro: “O que nos interessa é um estudo sobre essa abertura para o mundo. Há algo que a gente precisa pesquisar e que não foi analisado desse ponto de vista e de maneira integrada”.  

De uma forma contundente, para Eneida Maria de Souza, que é professora de literatura da UFMG e uma das coordenadoras do projeto, falar de Minas é falar também do Brasil. “Em termos artísticos, e mesmo políticos, Minas tem esse olhar para fora, da perspectiva do outro. Isso tudo constrói a ideia de centro e de síntese do Brasil”, afirma.

Segundo a pesquisadora, além da importância cultural do Estado, o projeto agrega pesquisadores de várias áreas de pesquisa e regiões do país justamente para ratificar a ideia de globalismo. “Não importa se o escritor ou político tenha nascido em Minas, o importante é ter uma relação muito forte com Minas Gerais”, comenta Eneida. 

Em outro sentido, Eneida Maria de Souza diz que o Minas Mundo vai romper com estereótipos e lugares-comuns perpetuados através dos tempos de que o mineiro é bairrista, no sentido limitador do termo, e acomodado entre as montanhas. “Pretendemos reforçar a questão de como a cultura mineira, em geral, sempre teve uma cabeça aberta para o exterior”, avalia Eneida. “A permanência de uma mentalidade cosmopolita é uma marca nossa”, emenda.   

Projeto já mira 2024

O legado do modernismo brasileiro, que eclode na Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922 na capital paulista, e cria uma maneira ainda atual de olhar o Brasil, é um dos diálogos que o Minas Mundo pretende abrir. Porém, em vez de comemorar o centenário do movimento em 2022, o projeto propõe a celebração da data dois anos depois. Foi em 1924 que Mário e Oswald de Andrade, Paulo Prado, Tarsila do Amaral e o poeta suiço-francês Blaise Cendrars chegaram a Belo Horizonte para uma visita que deixaria marcas artísticas definitivas. Eles ficaram todos hospedados no Grande Hotel, localizado no encontro da rua da Bahia com avenida Augusto de Lima, onde hoje fica o Edifício Maletta. 

“Vamos comemorar a visita dos modernistas paulistas a Minas, o encontro deles com o barroco, quando há uma reviravolta na poética e na estética deles”, explica Eneida Maria de Souza. Segundo a pesquisadora, o grupo encontra em Minas uma correspondência com os movimentos europeus de vanguarda, como o dadaísmo e o cubismo. 

“Dois mil e vinte e quatro é a grande data. É um gesto importantíssimo, uma viagem que passou para a história do modernismo como uma espécie de descoberta do Brasil”, completa André Botelho. Até lá, a ideia do Minas Mundo é continuar a pesquisa e organizar atividades que coloquem universalismo de Minas Gerais em debate. 

O Minas Mundo 

O lançamento do Minas Mundo aconteceu no último sábado (31) em uma live que contou com a participação do músico e escritor José Miguel Wisnik, do professor da Universidade de Princeton e um dos coordenadores do projeto, Pedro Meira Monteiro, e a poeta e atriz Marina Wisnik. O portal (projetominasmundo.com.br) reunirá artigos, ensaios, debates e funcionará como um espaço de intercâmbio entre os pesquisadores e o público, e a ideia é que o projeto seja uma rede em expansão.

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