A sinopse de “Normal People”, série disponibilizada no Brasil a partir desta quinta (16) pela plataforma de streaming Starzplay, certamente não chega nem perto de explicar o fenômeno de audiência que a produção se tornou em algumas partes do mundo – lançada no Reino Unido no fim de abril, foi vista na primeira semana por mais de 16 milhões de assinantes, somente no serviço de streaming da BBC.
Ambientada na Irlanda, no início dos anos 2010, a trama acompanha a relação de Marianne e Connell, que começa nos últimos meses do colégio e se estende, com muitas transformações, idas e vindas, durante os quatro anos que eles passam na faculdade. A perspectiva do crítico do “New York Times” James Poniewozik dá mais pistas de por que a história arrebanhou tantos espectadores. Em uma definição muito precisa, ele diz que a série “é sobre crescer: o necessário e doloroso processo de destruir a pessoa que você era para se tornar quem você vai ser”.
A série é baseada no romance homônimo da jovem escritora irlandesa Sally Rooney, 29, lançado em 2018 (no Brasil, “Pessoas Normais” saiu pela editora Companhia das Letras, em 2019) e chamado pelo jornal britânico “The Guardian” de futuro clássico. Além de se tornar um best-seller, foi eleito melhor romance do ano por premiações de literatura em língua inglesa, como o Man Booker Prize e o Costa Book Awards. Rooney, por sua vez, tem sido aclamada como a primeira grande escritora da geração millennial. Ela, aliás, é corroteirista da série, o que a torna bastante fiel ao livro.
Interpretados pelos atores excelentes e cheios de química Paul Mescal e Daisy Edgar-Jones, Connell e Marianne habitam o mesmo mundo mas têm origens distintas. Ele vem de uma família da classe trabalhadora, é atlético e popular na escola, enquanto ela não se integra ao tecido social, por vezes respondendo com hostilidade a essa inadequação. Abastada, ela vive uma relação problemática com a mãe e o irmão. Outros personagens orbitam ao redor dos dois, mas a narrativa é inteiramente focada nos protagonistas.
Aliás, é pela relação entre suas famílias que eles se aproximam, já que mal interagem no ambiente escolar. A mãe de Connell é faxineira da casa de Marianne, e ele frequentemente vai buscá-la após o trabalho. A partir do contato extraclasse, eles descobrem uma identificação profunda pela inteligência um do outro e uma atração que materializa esse interesse.
Sexo é uma parte importante da relação dos personagens, afinal é a tradução física da conexão intelectual que se estabelece entre os dois, e muitos minutos (precisamente 41, segundo o tabloide “The Sun”) dos 12 episódios de meia hora são dedicados a esse âmbito, mas em momento algum a representação é apelativa ou sensacionalista. Pelo contrário, as cenas de sexo em “Normal People” são construídas como pouco se vê em produções audiovisuais: sem idealismo ou fetichização. De uma forma naturalizada, ao mesmo tempo retrata bem a estranheza e o arrebatamento que só se vivencia na intimidade, sobretudo nas primeiras experiências.
A forma como se relacionam com o mundo e a relação que isso tem com as origens de cada um atravessa a relação dos dois desde o início. Enquanto estão na escola, Marianne é a outsider, enquanto Connell teme perder capital social se for visto junto com ela. Na faculdade, um ambiente majoritariamente ocupado pela classe média alta parece deixar Marianne mais à vontade, ainda que carregado de cinismo e arrogância. Esses e outros conflitos, muitos deles existentes só na cabeça de um ou do outro personagem, vão determinando a forma como o relacionamento deles se desdobra ao longo do tempo. Ainda que nem sempre estejam juntos ou mesmo fisicamente próximos, um magnetismo parece impedir que se afastem de verdade.
“Normal People” não é sobre grandes acontecimentos, também não tem reviravoltas ou revelações bombásticas. Aliás, tem elementos que já foram vistos em muitas outras histórias de amor. Seu trunfo é justamente reconhecer que já foi contada antes e acrescentar elementos que justifiquem que o seja novamente. “Normal People” é sobre como o amor pode ser transformador, independente do “felizes para sempre” dos contos de fadas, e sobre como duas pessoas que se amam podem ter normais muito diferentes.
Assista ao trailer: