Memória

Nos 15 anos de morte de Bussunda, Globoplay estreia série documental

Em quatro episódios, produção repassa a vida de Cláudio Besserman Vianna, que faleceu durante a Copa do Mundo na Alemanha

Por Patrícia Cassese
Publicado em 17 de junho de 2021 | 03:00
 
 
 
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Era para ser um documentário, mas como dar conta da vida de um artista como Cláudio Besserman Vianna com um tempo, digamos, mais restrito? Não por outro motivo, virou minissérie documental. A partir desta quinta-feira, exatamente 15 anos após a sua morte, estreia, na Globoplay, “Meu Amigo Bussunda”, produção assinada pela Emoções Baratas e Kromaki. A direção geral dos quatro episódios é de Claudio Manoel, amigo e parceiro de ofício do humorista no Casseta & Planeta. No entanto, vale dizer que Claudio divide a direção e o roteiro dos três primeiros capítulos com Micael Langer (com quem codirigiu “Simonal — Ninguém sabe o duro que dei”). Já o último episódio tem direção de Júlia Besserman, filha de Bussunda. 

Claudio Manoel conta que a ideia acorreu à sua mente após ele ter assistido a "Os Diários Zen de Garry Shandling", sobre o humorista falecido em 2016, e que foi um fenômeno de popularidade no Estados Unidos. "Um roteirista (Judd Apatow) teve acesso aos diários desse cara e iniciou essa jornada, ou seja, ele contando a vida de um grande amigo". Outro impulso foi o fato de ele ter se dado conta de que já havia uma distância temporal que o permitiria lidar com a emoção de remexer em lembranças, fotos e vídeos do amigo. "Chamei o Micael, que aliás foi quem tinha me indicado esses diários, por considerar importante ter alguém com esse olhar externo". Ele também conta que o nome da empreitada veio de cara. "Só que, ao desenvolver a série, vi que era uma coisa em primeira pessoa, mas de vários nomes, falando do 'amigo Bussunda'"

Na sequência, veio o convite a Júlia. "O Claudio sabia que eu tinha me formado em roteiro, e eu aceitei, óbvio, como não? Quando virou uma série com quatro episódios, me convidou para dirigir o meu próprio. Eu realmente não assistia às coisas dele (do pai) há anos. Como me preparei emocionamente? Com muita terapia. Muitos anos de terapia", admite, sincera. "Acabei encarando como um desafio profissional, tentando pensar o que era interessante mostrar sobre essa pessoa, o Bussunda, e não só sobre o meu pai. No início, foi doloroso, sempre é, mas depois fica ok, porque tem as lembranças boas. A gente lembra do jeito que ele falava, de como ele sorria, daqueles trejeitos", assinala. "A adição da Júlia ao projeto veio complementar o processo, trazendo um ponto de vista diferente e bem particular, além de questionamentos que ela tem muito mais propriedade para fazer", opina Micael.

Cumpre dizer que, nos três primeiros capítulos, a empreitada narra a trajetória de Bussunda em ordem cronológica, usando imagens inéditas e de arquivo, entrevistas com parentes, amigos, colegas e integrantes da equipe do Casseta & Planeta. O primeiro episódio compreende o período entre 1962 e 1989, e mostra a infância, adolescência e juventude de Cláudio Besserman e a origem do famoso apelido. No segundo, que abarca de 1989 até 1998, mostra sua entrada na Globo até o sucesso do Casseta & Planeta Urgente. O terceiro compreende de 1998 até 2006, e mostra a cobertura da Copa do Mundo na Alemanha. No quarto, o que tem a direção de Júlia Besserman e roteiro dela e de Micael Langer, é feita uma análise sobre a filosofia de vida seguida por Bussunda. Humoristas da nova geração são convidados a debater a influência do Casseta na comédia atual e refletir sobre o politicamente incorreto. Entre os entrevistados da série estão Vera Fischer, Maria Paula, Zico e Débora Bloch. 

Micael Lander conta que a equipe sempre trabalhou cônscia da grande responsabilidade que era retratar não só a vida do Bussunda, mas do grupo Casseta & Planeta. "Além de contar um pouco da história de uma geração inteira, que aproveitou a redemocratização do país na década de 1980 para reivindicar o protagonismo no estabelecimento de novos paradigmas nas artes, na música, no cinema e no humor". Perguntado sobre a etapas mais difícel, nem hesita: "Todas". "Estávamos prontos para começar a gravar quando a pandemia chegou e colocou tudo em pausa. Passamos o ano de 2020 esperando uma oportunidade e o estabelecimento de protocolos que nos permitissem retomar o processo. Isso trouxe muita angústia pois mirávamos nesta data para homenageá-lo, o aniversário de 15 anos de sua morte. No começo do ano recebemos o sinal verde, adotando medidas sanitárias que, além de inviabilizar algumas propostas do roteiro, dificultaram o processo de gravação".

Passada essa etapa, a trupe entrou numa corrida contra o tempo para entregar os quatro episódios de 40  minutos cada dentro do prazo, e sem abrir mão da qualidade. Para isso, afiança Lander, foi fundamental o engajamento de toda a equipe de pós-produção. "Agora, essa etapa final, que é o 'julgamento' do público, é a que me deixa mais tranquilo. Estou muito feliz com o resultado do nosso trabalho e tenho certeza de que as pessoas irão se reconectar ou conhecer e se encantar por essa figura ímpar que era o Bussunda. Acho que o que vai marcar os espectadores é justamente a confirmação e o reforço de tudo aquilo que elas imaginavam dele. Sim, ele realmente era um cara singular, bonachão, irônico, engraçado sem fazer força. Talvez o que tenha me chamado mais a atenção é a forma carinhosa com que todos, sem exceção, se lembram dele".


Confira, a seguir, outros trechos da entrevista com Júlia Besserman

Li que você não assistia ao programa ("Casseta e Planeta") desde o falecimento do seu pai... Como se preparou emocionalmente para este, digamos, reencontro, e como ele se deu na prática?

O Claudio Manoel me chamou para fazer parte do projeto quando ainda estava engatinhado mesmo, ele sabia que eu tinha me formado em roteiro. E eu, óbvio, aceitei, como não aceitaria? E aí, quando o projeto foi mudando para uma série, com quatro episódios, ele me convidou para dirigir o meu próprio. Eu realmente não vinha assistindo às coisas do meu pai. Como me preparei emocionamente? Com muita terapia, muitos anos de terapia. Por mais difícil que seja, encarei essa volta primeiro como um desafio profissional. E se topei fazer o projeto, então, eu tinha que assistir ao trabalho do meu pai, a alguns vídeos, e mesmo a alguns vídeos caseiros etc. Consegui pensar nisso como uma profissional mesmo, tentando levantar o que era interessante dizer sobre essa pessoa, o Bussunda, e não só sobre o meu pai. Mas, claro, quando eu realmente vi... Nas primeiras vezes, é sempre doloroso. Depois fica ok, porque tem as lembranças boas. A gente lembra do jeito que ele falava, de como ele sorria, desses trejeitos que, com 15 anos de morte, muitas vezes a gente vai esquecendo. 

Este mergulho te revelou novas facetas de seu pai?

Não sei se revelou novas facetas dele... Eu perguntei algumas vezes, e, claro, isso não iria ao ar, mas ninguém quis me responder, sobre histórias impublicáveis dele, para saber se elas revelariam algo de novo sobre meu pai. Mas as pessoas ficaram com vergonha (de contar), então... O que posso dizer é que ele era realmente um pai incrível, que voltava do trabalho e sentava no chão comigo para jogar bolinha de gude ou que montava provas para me ajudar a estudar... Realmente, não trocaria por nada o tempo que tive com ele. 

Há uma frase sua no release que diz: "A discussão sobre o humor dele era um debate que eu precisava ter comigo mesma para tentar entender um pouco melhor o trabalho do meu pai". Queria que me destrinchasse um pouco mais dessa fala... Como vê, hoje, o humor de seu pai? 

Sobre essa fala, da discussão sobre o humor, ainda tem quadros que acho muito engraçados, outros que realmente eu não vejo mais graça, mas entendo como algo histórico. Era do tempo dele. O Brasil tinha saído da ditadura, havia uma abertura enorme, podia se fazer de tudo. Tínhamos saído da censura e, como diz o Claudio, o algoritmo não tinha chegado ainda. Então eu vejo assim... Tem certas coisas que são datadas mesmo, mas que foram importantes para a época. E até para a gente evoluir, mudar o humor um pouco. Mas sim, tem várias coisas que amo, e algumas não consigo nem explicar o porquê. Mas adoro o seringueiro que tirava o leite do pau, acho que é porque é um quadro no qual o meu pai ficava irritado, então, era algo novo pra mim. 

O que achou do resultado final?
Eu fiquei muito feliz, acho que ficou muito legal. Claro, a gente sabe que vai ser impossível abordar tudo o que era o Bussunda. No entanto, acho que o que conseguimos colocar no documentário já é sensacional, e fiquei muito, muito feliz com o projeto mesmo.

 

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