Anna Petrovna, uma aristocrata decadente, resolve dar uma festa de réveillon para os amigos, o que se torna mote para uma noite de encontros nem um pouco monótona em sua casa. Vivida pela atriz Camila Pitanga, a personagem faz parte de um mundo em ruínas, e é justamente a angústia dessa dissolução que é abordada no palco pela Companhia Brasileira de Teatro, que encena “Por que Não Vivemos?”, peça baseada em texto de Anton Tchekhov (1860-1904), em cartaz a partir desta sexta-feira (18) no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil.

“Anna é uma mulher que por um lado tem certa autonomia, uma liberdade de pensar e de expressar seus desejos, mas, ao mesmo tempo, ela está se dando conta de que, mesmo com essa liberdade, há uma condição na qual ela ainda se vê de certa forma presa, atada por algumas amarras”, comenta Camila, que realiza agora seu primeiro trabalho com o premiado grupo de Curitiba.

A atriz observa que quem dispara essa percepção é o personagem Mikhail Platonov, um aristocrata também falido, mas que atua como professor. Ao chegar à residência da anfitriã, ele acaba colocando em xeque as crenças de cada um dos convidados.

“Ele lança uma série de provocações, levando todos a um processo de reflexão profunda. Essa peça foi escrita momentos antes da Revolução Russa, quando a sociedade da época estava sendo muito questionada. Por outro lado, há certa apatia, uma paralisia que toma conta das pessoas e o Tchekhov me parece estar criticando justamente esse tédio, essa situação que é relatada pelos próprios personagens, que falam de uma vida enfadonha”, detalha Camila.

Para ela, apesar de ter sido escrita no século XIX, a peça dialoga muito com o presente, especialmente tendo em vista as tensões que têm atravessado o Brasil cotidianamente. Diante das dificuldades impostas pelo contexto de crise e das pressões de um crescente conservadorismo, a artista frisa ser importante não sucumbir à letargia. “A peça nos convida a pensar sobre a apatia e sobre a passividade, que precisa ser furada e transformada”, completa ela.

Inédito

Esta é a primeira montagem no Brasil desse trabalho de Tchekhov, que foi produzido por ele entre seus 18 e 20 anos, mas só veio a público postumamente, em 1923. O texto foi encontrado sem título e incompleto no espólio do dramaturgo e escritor russo. De acordo com o diretor Márcio Abreu, o formato inacabado e cheio de lacunas do manuscrito se revelou estimulante para a criação do espetáculo.

“Acho que esse material se mostrou algo aberto mesmo, e, para mim, isso é muito interessante, porque tem bastante a ver com a maneira como eu escrevo e gosto de trabalhar”, declara Abreu. 
“Por se tratar de uma escrita ainda embrionária, ela é repleta de fragilidades, mas eu não vejo isso no mau sentido. Eu acho que é possível agirmos e habitarmos esse textos, o que foi justamente o que me atraiu bastante nele”, acrescenta.

Mineira

Além de Camila Pitanga, a atriz e cantora Josi Lopes faz parte do elenco. A artista mineira já havia tido uma experiência com a Companhia Brasileira de Teatro, durante a temporada de “Preto” na cidade. Ela fez uma substituição por duas noites e, agora, retornou a convite de Abreu. 

Josi dá vida à personagem Sofia Egórovna, que também faz parte do grupo de aristocratas cuja queda é iminente. Ao comentar o impacto do próprio espetáculo, ela relata que a encenação tem mexido muito com a plateia, especialmente em razão da abordagem de temas ligados às escolhas e decisões de cada um. 

“Eu noto que as pessoas ficam muito tocadas com a peça porque ela trata da questão da existência. Eu percebo que ela tem essa capacidade de deixar o público se perguntando ‘por que estou fazendo isso’ e o que eles gostariam de ter vivido. O modo como isso reverbera nas pessoas tem me chamado a atenção”, ressalta Josi.

Agenda

O quê. Estreia de “Por que Não Vivemos?”.
Quando. De 18/10 a 18/11; de sexta a segunda-feira, sempre às 19h30.
Onde. CCBB Belo Horizonte – Teatro I (praça da Liberdade, 450, Funcionários).
Quanto. R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada).