A palavra “primavera” está atrelada à estação do ano que, no Hemisfério Sul, só tem início mês que vem. Mais recentemente, porém, e graças aos países árabes, o termo se amalgamou à noção de uma onda revolucionária. Em ambos os casos, remete ao florescer, o que pode ser aplicado também a ideias. E é justamente com o intuito de fazer brotar a semente da paixão pelos livros que a Primavera Literária volta à capital mineira para ocupar o CCBB BH com discussões, contação de histórias, oficinas, saraus, slams, conversas com autores e muito mais.
Em cena, discussões que estão na ordem do dia e que perpassam desde o mercado editorial propriamente dito (em particular, o independente) a tópicos como silenciamento feminino, ocupação de espaços públicos, literatura de matriz africana e futuro da democracia, para citar alguns. Entre as presenças confirmadas, nomes veteranos e já consagrados – como Nelson cruz, Marilda Castanha, Ricardo Lísias, Macaé Evaristo e Ana Martins Marques – se somam a expoentes que vêm angariando visibilidade – e prêmios.
Caso, por exemplo, da poeta-slammer Nívea Sabino, que celebra o evento e sua amplitude. “Nesse momento de turbulência social que a gente vive, ter a palavra como instrumento acaba sendo uma subversão. Com ela, a gente consegue trazer o lírico, o utópico, a possibilidade de sonhar, de acreditar, de não perder a esperança. De construir uma realidade diferente”, explana ela, que vai participar da mesa “Rap e Poesia: A Literatura Está na Rua!”, ao lado de Roger Deff e Douglas Din. “Nossa mesa é sobre a cultura hip-hop, entendendo os movimentos de palavra falada como um de seus desdobramentos. Vamos falar de como a gente tem vivenciado a palavra para falar dos nossos direitos, e refletir como, nos últimos anos, esse espaço da palavra foi tomado pelos corpos femininos, pela população negra, a LGBT, transformando-o também em uma arena de reivindicação”, adiciona.
Realizada pela Liga Brasileira de Letras (Libre), a Primavera Literária teve sua versão matricial no Rio de Janeiro, em 2001, a partir da demanda de pequenas editoras que, muitas vezes, não eram contempladas nos eventos literários tradicionais.
“Quando o evento se desloca para outra cidade, a nossa primeira preocupação é aliar o conceito a elementos do lugar no qual você está chegando. Aí, em BH, vale ressaltar que já se tem, há alguns anos, uma cena independente muito forte, e não só literária, mas vista também por projetos como o Cura (Circuito Urbano de Arte)”, diz Raquel Menezes, presidente da Libre.
No caso da literatura, ela cita, entre outras, a editora Mazza, com publicações que destacam a potência da literatura de matriz africana, ou a Relicário, “tendo agora o seu espaço (a Casa Relicário), não só para a edição, mas também para eventos”; bem como Aletria, Quintal e tantas outras, que estarão presentes no evento.
Homenagem a Ziraldo
Em meio à efervescência representada pelas novas gerações e editoras independentes, há espaço também para tecer homenagens ao já consagrado. E uma delas reporta-se aos 50 anos de “Flicts”, o icônico livro infantojuvenil do cartunista mineiro Ziraldo.
Na verdade, o tributo da atriz Mariana Jacques, 38, já contabiliza dez anos de existência. “Por conta da coincidência dessas duas datas redondas, estou vendo essa apresentação como uma celebração”, diz ela, cuja vida acabou se entrelaçando de forma curiosa ao livro. Há 31 anos, após um acidente no qual queimou a perna, ficou em repouso ouvindo a mãe contar a história, por sugestão de uma amiga. Ao retornar à escola, como a cor da obra, não conseguia se encaixar.
Mas acabou conseguindo um tesouro: a primeira edição da obra, que ela, com todo zelo, promete inclusive levar à sua performance solo, prevista para o dia de abertura da Primavera Literária, quinta, às 15h, no pátio do CCBB.
Em 2009, Mariana fez das tripas coração para ter Ziraldo como plateia. Ele não só autografou seu exemplar como se emocionou a ponto de ceder os direitos da obra ad infinitum para essa montagem. “Flicts”, cumpre frisar, veio na esteira da chegada do homem à Lua, em 1969. Quando o astronauta Neil Armstrong visitou o Brasil, ganhou uma versão traduzida da obra, a qual abalizou a ponto de as edições posteriores terem sempre a sua frase “the moon is flicts” impressa.