Cinema

Produções contemporâneas egípcias são mote de mostra online do CCBB

A partir desta quarta-feira (29), evento entra em cena com um cardápio que contempla do documentário à comédia, sem deixar de lado o terror

Por Patrícia Cassese
Publicado em 29 de julho de 2020 | 03:00
 
 
 
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Se a quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus impede a realização física da segunda edição da Mostra de Cinema Egípcio Contemporâneo aos moldes da primeira, apresentada em 2017, por outro lado, a solução encontrada vai permitir que um público muito mais amplo trave contato com uma boa amostra da produção cinematográfica mais recente do Egito.
 
A partir desta quarta-feira, o evento entra em cena com um cardápio que contempla vários gêneros – do documentário à comédia, sem deixar de lado o terror. Ao todo, são 24 títulos produzidos na última década, que serão disponibilizados, gratuitamente, no site www.cinemaegipcio.com,  nesta que é a primeira mostra de filmes totalmente online do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
 
A curadoria da empreitada foi entregue a Amro Saad, egípcio naturalizado brasileiro. Ele lembra que os interessados deverão fazer um cadastro prévio para o acesso. No entanto, esse registro é único – sendo assim, permitirá que, a partir daí, o público confira toda a programação – que segue até o dia 23 de agosto. Funcionará assim: após a estreia, hoje, serão exibidos dois filmes por dia, sendo uma novidade na mostra e o outro, o título que foi lançado no evento no dia anterior, mas com a nova sessão em outro horário, para contemplar quem porventura não tenha conseguido assistir. Vale lembrar que, depois da exibição, os filmes não ficarão em streaming. Ah, sim: serão realizadas sessões inclusivas (com legenda descritiva ou audiodescrição).
 
A abertura, como de praxe, será marcada por uma atração especial: a exibição do documentário “Para onde foi Ramsés?”, seguida por um debate com o diretor Amr Bayoumi e um show da banda Mazaher (que compôs a música-tema do filme), diretamente do Cairo. Essa apresentação da abertura terá tradução para Libras.
 
Saad lembra que a resposta do público na primeira edição – que, vale pontuar, não veio a Belo Horizonte – ultrapassou as expectativas da organização. No caso, a programação era focada em apenas um diretor, Mohamed Khan (1942-2016), considerado um dos fundadores do neorrealismo no cinema egípcio e um dos mais premiados do país. Foram exibidos 12 títulos, e, não bastasse, o debate de abertura contou com a participação de Wessam Soliman, viúva de Khan e roteirista de três filmes dirigidos por ele. “Foi uma reação incrível (a do público), e Wessam foi recebida com muito carinho”, rememora o curador.
 
Nesta segunda, a ideia é também dar visibilidade à cena independente do Egito, constituída por “jovens que estão conseguindo conquistar espaço mesmo enfrentando dificuldades, e apresentando propostas novas”, como situa Saad. Coadunadas a tudo isso, as histórias não raro dialogam com pautas atualíssimas, como política e emancipação feminina. Aliás, a mostra reservou espaço para filmes dirigidos por mulheres. Caso do documentário “Joana d'Arc Egípcia” (2016), de Iman Kamel, que discute experiências das mulheres egípcias após a revolução de janeiro de 2011.
 
Diplomaticamente, Saad esquiva-se de destacar alguns títulos do cardápio. “Acho que, para quem gosta de cinema, o melhor é mesmo conferir a programação toda”, aconselha, ainda que destaque as particularidades de alguns. Caso de “O Elefante Azul” e “Pó de Diamante”, que, lembra, conseguiram o feito de, no seu país de origem, agradar a público e crítica, fazendo também carreira em festivais mundo. Filme de 2019, dirigido por Marwan Hamed, “O Elefante Azul 2” foi alçado ao posto de maior sucesso de bilheteria da história do cinema egípcio. O matricial, “O Elefante Azul 1”, também está contemplado na mostra.
 
Saad entende dialogar “Para onde foi Ramsés?”, o filme de abertura, de certa forma com o documentário brasileiro “Democracia em Vertigem” (de Petra Costa), no sentido de oferecer uma narrativa que parte do plano pessoal. O trabalho flagra o maior processo de transferência que as ruas do Cairo já testemunharam. No caso, o da estátua de Ramsés II, transportada da praça que leva seu nome até as instalações do novo Grande Museu Egípcio (GEM), situado próximo às pirâmides de Gizé. Pelo fato de o monumento pesar 83 toneladas e ter 11 m de altura, a ação consumiu nada menos que 12 horas.
 
Diversidade de gêneros permeiam curadoria. No quesito comédia, o curador cita o filme “Não Me Beija” (2017), de Ahmad Amer, que flagra o momento em que uma estrela de cinema decide seguir um caminho mais religioso – no entanto, o mundo do entretenimento e seus fãs divergem de sua escolha. “Como um Palito de Fósforo” (2014), de Hussein Al Imam, por sua vez, homenageia as grandes estrelas da era de ouro do cinema egípcio. “Foi criado no espírito dos filmes em P&B, mas com um diálogo mais moderno, mostrando diferenças geracionais”. O documentário “Eu Tenho uma Foto” (2017), de Mohamed Zedan, repassa a história do cinema egípcio através de Motawe Eweis, figurante que trabalhou em cerca de mil filmes, dos anos 40 até hoje.
 
Mote curioso é o de “Sheikh Jackson” (2017), de Amr Salama, que lança seus holofotes para um clérigo islâmico que nutre uma paixão secreta por Michael Jackson. Ao ser inteirado da morte de seu ídolo, ele passa por uma crise de fé. Outro ponto que Saad salienta é o contato com facetas culturais egípcias não tão conhecidas aqui, no Brasil – a começar da música. “Muitas pessoas relacionam mais a música do Egito à árabe, mas há muitos outros ritmos no país que não são tão divulgados, como outros de origem africana, que inclusive guardam semelhança com a música brasileira”, diz.
Saad reconhece que assistir a um filme em casa pode não se igualar a experiência de ir a uma sala de cinema (“que tem outro gosto”). Por outro lado, ele se vale da sua própria experiência para salientar: “Quando cheguei aqui, em 2005, queria mostrar as produções do meu país para as pessoas, mas era uma dificuldade imensa baixá-los”. “E, na verdade, acredito que, quando tudo isso passar, cada vez mais, as duas formas (online e presencial) vão coexistir”, vaticina.

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