Entrevista

Produtor mineiro de ‘Nada de Novo no Front’ fala de Oscar e projetos no Brasil

Há 20 anos em Los Angeles, Daniel Dreifuss já participou de outros importantes filmes e diz que adoraria trabalhar em seu país

Por Bruno Mateus | @eubrunomateus
Publicado em 11 de março de 2023 | 06:33
 
 
 
normal

Daniel Dreifuss, 44, sempre tem diferentes tipos de queijos e goiabadas em sua geladeira. Há cerca de 20 anos, o produtor de cinema belo-horizontino se mudou da capital mineira para Los Angeles, onde reside atualmente, mas nunca deixou sua cidade natal e o Brasil para trás. “Sou amante do samba, fascinado pela história de Minas, pela gastronomia. O Brasil é tão fascinante”, diz.

Em duas décadas nos Estados Unidos, Dreifuss fincou os pés na indústria cinematográfica e assinou a produção de alguns importantes projetos, entre os quais estão “No”, de Pablo Larraín, primeiro longa chileno indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional, em 2013, com Gael García Bernal, que vive um publicitário responsável por criar peças publicitárias para convencer a população a votar “não” em um plebiscito que decidiria pela permanência ou interrupção da ditadura de Pinochet, e “Sérgio” (2020, Netflix), estrelado por Wagner Moura e Ana de Armas, sobre o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello (1948-2003), Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos morto em um ataque terrorista na sede da ONU em Bagdá, no Iraque, em 2003.

Neste domingo (12), Daniel Dreifuss voltará ao Oscar – a cerimônia acontece no Dolby Theatre, em Los Angeles, às 20h (horário de Brasília) – como o produtor de “Nada de Novo no Front”, filme alemão indicado em nove categorias, incluindo Melhor Filme e Filme Internacional. O longa também concorre à estatueta por Cabelo e Maquiagem, Música original, Som, Efeitos Visuais, Roteiro Adaptado, Fotografia e Desenho de Produção.

O longa, baseado no relato autobiográfico do escritor Erich Maria Remarque (1898-1970) no romance homônimo, lançado em janeiro de 1929, conta a história do jovem soldado alemão Paul (Felix Kammerer), que se alista para lutar na Primeira Guerra Mundial.

Daniel Dreifuss recebeu o roteiro de “Nada de Novo no Front” há mais ou menos 10 anos. Originalmente, o filme era falado em inglês, tinha um quê mais comercial e, com mais cenas de ação, focava mais a trama no último dia do conflito, horas antes do armistício naquele 11 de novembro de 1918, às 11h. Depois que o texto passou por outros diretores e produtores, Dreifuss decidiu retomar o projeto com mudanças importantes. “Por uma autenticidade que sempre norteou minha carreira, pensei: ‘por que alemães estariam falando em inglês entre si?’. Fui para a Alemanha em 2019 com a ideia de voltar ao texto original e tentar levantar a produção em alemão”, ele conta.

“Nada de Novo no Front”, cuja direção é assinada por Edward Berger, foi rodado em 2021 e há poucos meses chegou ao streaming como grande aposta da Netflix para seu catálogo. Até conseguir colocar o filme de pé, Daniel Dreifuss ouviu muitas recusas nos Estados Unidos. Contudo, nunca ter desistido do roteiro, voltar ao texto original e buscar parceiros na Alemanha tem uma explicação muito particular.

“A família do meu pai é toda da Alemanha, da fronteira com a França. Meu avô (Max Dreifuss) nasceu em 1899, se alistou em 1917 e foi lutar pela Alemanha na I Guerra. Ferido nas costas e no pulmão, foi mandado de volta para a casa. O primo dele é uma das pessoas das quais o filme fala. Ele morreu a 40 horas do fim da guerra. Meu avô, 20 anos depois, foi mandado para uma campo de concentração por ser judeu-alemão”, aponta o produtor.

“Quando eu recebi o roteiro, eu sabia que aquelas pessoas existiam na minha vida, existiam em mim. Eu queria honrá-las depois de tantos ‘nãos’ seguidos, de tanta carga negativa. Eu pensava nessas pessoas e continuava no empenho de contar essa história”, ele completa. Max Dreifuss sobreviveu ao terror do nazismo e fugiu para o Uruguai, onde nasceria o pai do produtor, o cientista político e historiador René Dreifuss (1945-2003). Daniel nasceu em Glasgow, em 1978, quando o seu pai fazia doutorado na Escócia. Um ano e meio depois, ele chegou a Belo Horizonte.

Disputa pelo Oscar

Grande vencedor do Bafta 2023 com sete prêmios, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor, “Nada de Novo no Front” já é o filme com mais indicações ao Oscar da história do cinema alemão. Sobre os motivos pelos quais o longa tem uma trajetória exitosa até agora, Daniel Dreifuss reflete: “Não é uma história de herói com final triunfante. É triste, é a história da Primeira Guerra do ponto de vista do perdedor e contado com esse tom. O inimigo é a guerra, é a violência, mostra a estupidez da guerra, das pessoas que ficam protegidas em castelos decidindo o destino dos meninos que vão para o front”.

As nove indicações ao Oscar, claro, só fazem aumentar a expectativa para a cerimônia deste domingo (12). Entretanto, o produtor não quer colocar tanto peso em como o filme será lembrado se ganhar ou não uma estatueta. “Se olharmos agora, o filme já tem uma carreira brilhante, mais do que eu poderia ter sonhado. É um dos filmes mais premiados da história do BAFTA. No Oscar, as maiores chances são em três categorias: Filme Internacional, Fotografia, Música Original e Som. Se sairmos com uma ou duas estatuetas, já será um presente maravilhoso. E se não sair, o filme não terá uma vida menos linda e rica”, pondera Daniel Dreifuss.

“Adoraria produzir no Brasil”

O produtor fala com saudade de BH. Foi na capital mineira que ele se apaixonou por cinema em sessões no Cine Pathé, no Cine Acaiaca, no Belas Artes e em outros cinemas de rua da cidade, levado por sua mãe, Aurea, ainda quando era criança. Essas memórias acompanham Dreifuss até os dias de hoje, e assim sempre será. Há tantos anos fora do Brasil, o produtor não quer que seus laços com o país se enfraqueçam com o tempo. Amizades, família, culinária, música e visitas pontuais ao país ajudam a manter forte essa relação.

Já com o mercado cinematográfico brasileiro, Daniel Dreifuss espera criar uma relação que gere futuros trabalhos: “Gostaria que o Brasil se lembrasse mais que eu sou brasileiro, adoraria levantar projetos no Brasil. Nosso país tem muitos talentos no cinema, diretores interessantíssimos, tem a turma de Recife, dos meus conterrâneos do ‘Marte Um’, da Filmes de Plástico. Espero que eu tenha o privilégio de acabar me conectando mais com a indústria brasileira. Eu vou onde as histórias estão, e elas não têm fonteiras”.

O produtor conta, ainda, que tem três projetos – duas minisséries e um filme – e adoraria que eles fossem realizados por aqui.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!